As melhorias experimentadas pela área central nos últimos anos poderiam se transformar em uma verdadeira revolução urbana se empecilhos como a demora em implantar projetos fundamentais e a preocupação com a violência fossem vencidos. A lentidão do projeto de revitalização do Cais do Porto, que se arrasta há mais de duas décadas, é apontada como um dos principais freios ao processo de resgate do Centro Histórico.
– Se já tivéssemos prontas as obras no cais e na orla (adiante do Gasômetro), o impacto seria enorme. As pessoas, hoje, estão querendo lugares abertos. Certamente, se transformariam em áreas de passeio e turismo e ajudariam a valorizar a região como um todo – observa o presidente do Sindicato dos Lojistas de Porto Alegre (Sindilojas), Paulo Kruse.
A renovação da orla está em andamento com conclusão prometida para este ano, mas a obra no cais ainda não começou. Outro projeto segue na gaveta: o Sindilojas, em parceria com outras entidades, há cerca de cinco anos ajudou a elaborar um projeto de reurbanização da Rua da Praia que previa novos calçamento, sistema de iluminação e a transferência de toda a fiação aérea para o subsolo. Coordenador do projeto Viva o Centro até 2013 e atual diretor-técnico da Secretaria Municipal de Parcerias Estratégicas, Glênio Bohrer sustenta que dificuldades técnicas pelo fato de a obra interferir com redes da CEEE e de operadoras de telefonia atrapalharam o andamento da iniciativa.
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A sensação de insegurança é outro obstáculo apontado como um dos desafios da região. Para Bohrer, porém, parte desse temor se deve a uma "estigmatização" da área central:
– Há um certo preconceito, porque há zonas que têm atividade até a noite, há pessoas circulando próximo ao Chalé da Praça XV, na Andradas, nas proximidades da Casa de Cultura Mario Quintana.
Presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Rafael Passos sustenta que a melhor maneira de combater a sensação de insegurança é estimular a presença de pessoas na rua.
– A saída é diversificar a região, ter habitação, destinar prédios vazios à habitação de interesse social, valorizar o comércio de rua com diferentes preços e públicos e estimular atividades que ocorram até mais tarde, depois do horário de fechamento das lojas – opina Passos.
CINCO SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O CENTRO
Estímulo à moradia
Uma das principais estratégias para manter uma região viva é atrair moradores, o que estimula o comércio e reduz a insegurança. O poder público pode favorecer isso, segundo o vice-presidente do Sindicado da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), Zalmir Chwartzmann, por meio de redução de tributos em locais específicos. O presidente do IAB-RS, Rafael Passos, sugere a destinação de prédios sem uso para habitação de interesse popular.
Eventos à noite
Mais de 400 mil pessoas circulam pelo Centro a cada dia, mas a movimentação tende a cair muito depois do horário de fechamento do comércio. Uma das maneiras de favorecer a permanência das pessoas nas ruas até mais tarde, reduzindo a insegurança, é por meio da realização de eventos artísticos ou culturais gratuitos. Realizado anualmente, o sucesso do evento Noite dos Museus (que permanecem abertos à noite) é um exemplo desse tipo de política.
Potencialização da orla
Arquitetos e urbanistas apontam a orla como um dos principais trunfos da região central, infelizmente, ainda pouco aproveitado. A revitalização do Cais Mauá, ainda sem data exata para começar, é vista como um empreendimento capaz de mudar a área. A renovação de outro trecho da orla, entre o Gasômetro e a Rótula das Cuias, deve ser entregue este ano.
– A revitalização da orla faria uma diferença enorme para o Centro. Outras cidades, como Belém, já fizeram isso há muito tempo – sustenta a arquiteta e urbanista Célia Ferraz de Souza.
Segurança pública
A sensação de insegurança, principalmente à noite, é um dos entraves para um melhor aproveitamento do Centro. Investimentos em iluminação pública, policiamento e o estímulo à presença de pessoas na rua são estratégias sugeridas por empresários e urbanistas para qualificar o Centro Histórico.
Reurbanização
Via mais tradicional do Centro, a Rua da Praia tem problemas de calçamento, fiação aérea exposta e mobiliário antiquado. Um projeto de reurbanização poderia dar uma nova cara à também chamada Rua dos Andradas. Um projeto de remodelação, apresentado há cerca de cinco anos, segue em análise por parte da prefeitura. O custo de R$ 10 milhões contaria com financiamento do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).
Confira uma breve história do Centro de Porto Alegre:
1770-1900 – O início
Porto Alegre se torna Capital em 1773 e, em 1872, as primeiras linhas de bonde entram em circulação na área central. A Usina do Gasômetro é construída em 1874 e, em 1899, é implantada rede de esgoto.
1900-1930 – Consolidação
Um Programa de Obras Públicas leva à construção de prédios que se tornariam icônicos, como os da Biblioteca Pública do Estado e do Museu de Arte (Margs). A Catedral Metropolitana também nasce nesse período em que o Centro ganha nova forma.
1930-1960 – O auge
Cinemas, teatros, cafés e clubes atraem milhares de pessoas, e locais como a Rua da Praia se tornam ponto de passeio (o chamado "footing") e encontro da sociedade porto-alegrense. Visitantes do Interior vêm à cidade apenas para conhecer a zona central.
1960-1970 – Modernidade
Sob inspiração modernista, o Centro se torna mais vertical, com prédios altos, que tomam o lugar de construções mais antigas, ganha obras viárias como perimetrais e viadutos. Parte do Guaíba é aterrada.
1970-1980 – Decadência
O espaço físico se degrada, e a insegurança na região aumenta. O patrimônio histórico é desconsiderado – surgem até propostas para demolir o Mercado Público –, os bondes são desativados, e o transporte automotivo ganha prioridade.
1980-1990 – Novo rumo
Começam os primeiros estudos de reabilitação urbana. Em 1981, é fundada a Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural, que estimula uma nova política urbana baseada na preservação do patrimônio histórico e das áreas verdes. Como reflexo, a Casa de Cultura Mario Quintana é inaugurada em 1990.
1990-2000 – Reformas
O Mercado Público, renovado, é reinaugurado em 1997. Mas nem sempre os projetos alcançam o resultado esperado: em 1998, é lançada a Rua 24 Horas como uma tentativa de revitalizar a área, mas a insegurança e a falta de movimento desestimulam o funcionamento à noite.
2000-2010 – Reocupação
Depois de perder um terço de sua população entre 1980 e os anos 2000, o Centro se beneficia com o avanço de projetos de restauro, favorecidos por programas como o Monumenta. Outro marco é a remoção dos camelôs para o PopCenter em 2009. Como resultado, o número de moradores salta 6% entre 2000 e 2010 – muitos dos novos habitantes são jovens ou pessoas ligadas ao setor criativo, como designers.
2010-hoje – Novos desafios
O Centro continua recebendo melhorias como a renovação da Praça da Alfândega e, beneficiado pela redução no número de camelôs, grandes redes de varejo, como Renner e Lebes, investem na região. Mas a sensação de insegurança, o retorno de vendedores irregulares e a demora para avançar projetos como o do Cais do Porto desafiam o futuro.