Dificultados pela má qualidade das calçadas e o número tímido de ciclovias, os caminhos de pedestres e ciclistas podem ficar ainda mais complicados quando se cruzam na Capital. O uso compartilhado do passeio, implementado em mais de 10 trechos da cidade, une dois problemas: a limitação do espaço de quem é mais vulnerável no trânsito e a falta de informação, que, por vezes, torna pedestres e ciclistas inimigos.
– Esses trechos são complicados, porque nem o pedestre, nem o motorista, gostam do ciclista. E muitos não sabem que isso é uma ciclofaixa. Algumas pessoas se assustam ao ver a bicicleta chegando – diz a engenheira civil Fernanda Tweedie, 30 anos, que utiliza a bicicleta como meio de transporte.
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Usuária da malha cicloviária de Porto Alegre, Fernanda acredita que o modelo compartilhado gera desconforto para ambas as partes. Ela aponta que a desinformação, frequentemente, faz com que os pedestres ignorem as faixas, obrigando os ciclistas a manobras complicadas sobre a calçada.
Minutos de observação são suficientes para ver na prática alguns dos problemas relatados pela engenheira. Em duas horas passando pelos três pontos de compartilhamento da ciclovia da Avenida Loureiro da Silva, na região central da cidade, a reportagem identificou pelo menos seis pessoas esperando o ônibus sobre uma desgastada ciclofaixa – nessa via, os trechos sobre a calçada ficam atrás de paradas de ônibus. Três ciclistas, ao menos, precisaram desviar dos pedestres.
– Não sabia que era uma ciclovia aqui. É perigoso, porque está apagada, a gente nem nota. Mas o ciclista é quem tem de cuidar, né? – diz o rodoviário Osmar Lima e Silva, que aguardava por um coletivo em cima da marcação.
Apesar de ainda causar desconforto, o compartilhamento do passeio não é proibido, assim como não é vetado a um pedestre ou a um ciclista circular na faixa dos carros, na ciclovia, ou na calçada, havendo ou não demarcação.
A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) diz que, nos casos em que o modelo é adotado, as "características diferenciadas entre os usuários da bicicleta, a cultura local e a sua evolução" são levados em consideração.
Apesar da boa intenção explicitada em nota pela EPTC, o que se vê na experiência de Porto Alegre está mais para o descaso. Além de trechos mal sinalizados – somente na ciclofaixa visitada, quase toda a marcação estava gasta ou apagada –, há conflitos entre modais. No mais grave identificado por ZH na Loureiro da Silva, em frente a uma escola, a faixa passa por cima do piso tátil, usado por deficientes visuais.
O órgão afirma que "a manutenção das ciclovias varia conforme as condições das vias" e que, neste ano, "já foram revitalizados trechos da Erico Verissimo, da Vasco da Gama e trechos no nível da calçada na Loureiro da Silva". A respeito do piso tátil, a EPTC ressalta que "vai reavaliar o posicionamento da ciclofaixa no trecho da Loureiro da Silva, em frente ao Parobé, pois o projeto da ciclovia é anterior a colocação do piso".
Compartilhamento
exige educação
Vias de uso compartilhado, de fato, podem ajudar a tornar a travessia de ciclistas mais segura onde há pouco espaço, sem precisar interromper a ciclofaixa. Mas, por gerarem conflito entre os atores mais vulneráveis do trânsito, devem ser a última opção do poder público no planejamento das rotas, segundo especialistas.
– A gente tem uma ideia de que a rua deveria sempre ser planejada antes (da circulação). Assim, teria lugar certo para todos os modais. O que fazemos nas nossas cidades, voltadas para os carros, é sempre uma adaptação. Acabam ficando áreas que são remendos – observa a coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unisinos, Izabele Colusso.
O problema não é exclusivo de Porto Alegre: em todas as capitais brasileiras, é possível identificar um descompasso entre a estrutura disponível para o transporte motorizado e o espaço para pedestres e ciclistas. Apesar de ser uma solução com cara de "enjambrada", segundo especialistas, a ciclofaixa, pintada sobre a calçada, tem uma função: em geral, a convivência com pedestres é mais segura do que a circulação junto dos veículos motorizados. Para o coordenador do programa Ciclovida, da Universidade Federal do Paraná, José Carlos Belotto, diante da falta de infraestrutura adequada, cresce a importância de ações de trânsito voltadas para a conscientização.
– Em Curitiba, tem muita (ciclofaixa nas calçadas). E também há conflitos. Não há educação de trânsito nem da parte dos ciclistas, nem da dos pedestres. Então, um desrespeita o outro. É o resquício de uma cultura carrocêntrica: durante anos, a formação foi voltada apenas para os motoristas. Isso devia ser ensinado na escola – avalia Belotto.
Conforme a EPTC, "a infraestrutura no transporte cicloviário segue padrões e diretrizes de segurança para os usuários das bicicletas, conforme o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e manuais de trânsito", e as características específicas da vias são consideradas no planejamento. "As rotas ciclísticas podem, portanto, conter trechos de vias com infraestruturas diferenciadas: compartilhadas, partilhadas, preferenciais, exclusivas, segregadas", disse a empresa pública, em nota.