A tarde desta segunda-feira chegava ao fim, e Tatiane Pereira de Almeida, 34 anos, aguardava por atendimento e resultados de exames no Postão da Cruzeiro, zona sul de Porto Alegre, ao lado de Maria do Carmo Ferreira, 40 anos.
Os caminhos das duas mulheres, até então desconhecidas, haviam se cruzado cerca de oito horas antes, quando Tatiane – com diagnóstico de epilepsia desde 2013 – teve uma convulsão na calçada da rua onde mora, no bairro Aparício Borges.
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A cena, ocorrida por volta das 10h, foi vista por Maria do Carmo, que não pensou duas vezes em prestar socorro. Foi nesse momento que se iniciaram a busca e a espera por atendimento médico: Maria do Carmo revirou a bolsa de Tatiane à procura de documentos, enrolou a mulher em um cobertor, chamou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e a acompanhou dentro da ambulância.
Na unidade de saúde, foram encaminhadas à sala de espera lotada. Cansada e passando mal, Tatiane, que está desempregada, deitou-se no chão, como várias outras pessoas que não tinham onde sentar. Foi chamada três vezes pela equipe do posto para tomar soro, fazer raio-X e nebulização. Às 18h, aguardava um chamado para realizar um exame de sangue.
– Não vou sair daqui e deixar ela – contou a estudante Maria do Carmo em frente à unidade de saúde, enquanto a nova amiga escorava a cabeça no seu ombro.
Tatiane afirma que tenta marcar há duas semanas uma consulta para retirar a receita dos medicamentos que precisa tomar diariamente para conter as convulsões; pela falta do documento, não estaria tomando nenhum. Nesta segunda-feira, começou a se sentir mal. Ligou para o Samu, mas teria sido orientada a buscar uma unidade de saúde.
– Quando eu tenho crise, eles me buscam. Mas, dessa vez, como eu estava falando pelo telefone, não quiseram me buscar. Só vieram quando eu estava desmaiada – relata Tatiane.
Depois do primeiro chamado por socorro, começou a caminhar pela calçada da Travessa Diacuí e logo desmaiou. A partir de então, foi auxiliada pela nova amiga, moradora de Viamão, que ia visitar a mãe. Para auxiliar Tatiane, Maria do Carmo não voltou para a cidade da Região Metropolitana e deixou os filhos sob cuidados da avó. Tatiane pediu que buscassem a filha de oito anos na escola enquanto não era liberada.
– Se não fosse ela, sabe Deus onde eu estaria – diz Tatiane.
Emocionadas e sem comer desde a manhã, elas fizeram o relato da sucessão dos fatos que as levaram até ali à reportagem. Às 20h, Tatiane foi liberada com diagnóstico de gripe A. As duas lamentavam que não teriam como ir para casa e nem como comprar os medicamentos receitados.
Procurada por ZH, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) enviou uma nota:
"A Secretaria Municipal de Saúde destaca que a renovação de receita deve ser feita pelos usuários na sua Unidade de Saúde de referência. Os Pronto Atendimentos possuem a finalidade de atender casos de urgências e emergências, sendo que estes casos são priorizados conforme a classificação de risco. Por este motivo indicamos que casos moderados sejam encaminhados para as 139 Unidades de Saúde que funcionam das 7h às 17h. Já as Unidades de Saúde Modelo e São Carlos funcionam até as 22h com consultas, coleta de exames laboratoriais e sala de pequenos curativos."