Parada desde outubro do ano passado e sem previsão de retorno, a construção da Avenida Tronco traz uma série de problemas para as famílias que vivem em seu entorno.As mais afetadas são as cerca de 150 famílias que ainda permanecem em meio aos escombros do que seria uma das rotas fundamentais para desafogar o trânsito em direção à Zona Sul.
Moradores de um trecho de 700m da Avenida Moab Caldas, na Grande Cruzeiro, em Porto Alegre, aguardam há quase cinco anos pelo fim da duplicação da Avenida Tronco, rota considerada fundamental para desafogar o trânsito entre a área central e a Zona Sul da Capital. Convivendo com escombros, valas que deveriam estar fechadas, pista com risco de ceder em um dos lados da via e restos de materiais da obra inacabada, eles sofrem a espera no dia a dia. Em frente ao Postão, por exemplo, uma cratera repleta de lixo e esgoto com mais de 5m de diâmetro se amplia a cada chuva. Para piorar, virou reservatório de mosquitos. Segundo os moradores, durante o verão, crianças foram vistas tomando banho dentro do grande buraco. Nas chuvaradas, a água suja invade as casas.
– Já nos disseram que falta dinheiro para finalizar a obra, mas não podemos mais conviver com uma situação destas. É um caso de saúde pública ressalta a presidente da Associação de Moradores e Amigos da Moab Caldas, Angélica Cunha da Silva, moradora do bairro há quatro décadas.
Ratos e cobras
No outro extremo do trecho, próximo à Avenida Francisco Massena Vieira, a dona de casa Sandra Rohmann, 59 anos, comemorou o início da obra e a possibilidade de ter o terreno da família valorizado. Hoje, quase chora ao falar da própria situação. Morando há 41 anos no local, Sandra ganhou vizinhos indesejáveis depois das remoções. Ratos, mosquitos e cobras surgiram quando o entorno ficou abandonado em meio aos restos das demolições.
– Nunca gastei tanto com veneno para rato e inseticida. Nossa vida virou um inferno. Comprei até briga com a vizinhança por pedir que não coloquem mais lixo sobre os escombros. Cansei de tudo isso – desabafa.
Parada desde outubro do ano passado por atraso no pagamento, a duplicação não tem data para ser retomada, afirma a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim). A Smim reconhece uma dívida de R$ 10,4 milhões com a construtora responsável, o que levou a empresa a abandonar o canteiro de obras. Prevista para ser finalizada antes da Copa do Mundo de 2014, a duplicação está apenas com 33% dos quatro trechos concluídos.
Em março deste ano, numa ação de emergência, a prefeitura e a Construtora Pelotense, responsável pela obra, fizeram um acordo e fecharam as quedas parciais das calçadas, ocorridas durante as chuvas de janeiro, num trecho de 220m da Moab Caldas, entre a Avenida Francisco Massena Vieira e a Rua Abelardo Marques. Foram empregados 500 metros cúbicos de aterro (terra compactada) para nivelar os buracos e colocados mais 500 metros cúbicos de asfalto reciclado, vindo de requalificação asfáltica, para completá-los.
Segundo a Secretaria Municipal da Fazenda, a prefeitura pretende solicitar à Caixa Econômica Federal financiamento para a retomada das obras da Copa do Mundo. A Caixa anunciou liberação de R$ 4 bilhões para serem investidos em todo o Brasil. A prefeitura aguarda resposta sobre o montante a ser disponibilizado e se pode ser utilizado na quitação dos débitos devidos às construtoras.
Ao todo, 19 obras de mobilidade urbana na Capital – entre elas, a Tronco – estão paradas e seguem sem soluções para os entraves financeiros e técnicos. Para que voltem a ter andamento, a prefeitura terá que desembolsar mais de R$ 45 milhões em pendências financeiras deixadas pela gestão anterior. Até agora, foram investidos quase R$ 359 milhões.
Remoções devem ser finalizadas neste ano
Das 1.486 famílias moradoras das margens da via, em área da prefeitura, que precisariam ser removidas, o Demhab já fez a remoção de 1.336. Destas, 275 seguem no aluguel social pago pela administração municipal. Até agora, o órgão investiu R$ 60,9 milhões em bônus moradia, aluguel social e indenizações. A previsão é de que as 150 famílias restantes sejam retiradas do trecho ainda neste ano.
Ilhado no meio da obra, o vigilante aposentado Lauro Costa, 66 anos, é um dos últimos a continuar morando exatamente sobre o local onde passarão as duas pistas do corredor de ônibus. Depois de uma negociação frustrada da compra de uma casa no Bairro Restinga, ele aguarda uma resposta do Demhab sobre a própria situação. Em tratamento médico, o aposentado afirma ter a necessidade de seguir morando na Cruzeiro devido à proximidade com o Postão. Lauro recorda que há 45 anos, quando chegou ao bairro, poucas casas existiam no trecho. Hoje, o terreno repleto de árvores nativas plantadas por ele – incluindo a canela – tornou-se um dos entraves para o seguimento da via.
– Antes da Copa, me ofereceram pouco mais de R$ 5 mil pela minha casinha de uma peça. Não aceitei porque eu não teria condições de comprar nada com este dinheiro. Depois, quando reavaliaram e aumentaram o valor, não aceitaram os documentos da nova casa. Não quero ser obrigado a ir para outra parte da cidade. Estou esperando um retorno do Demhab. Por enquanto, seguirei aqui vendo a rua virar rio e os dejetos passarem pela porta da minha casa quando chove – desabafa Lauro.
Documentos
Segundo o Demhab, a casa de Lauro foi avaliada em R$13.437,13. Porém, ele exige receber em dinheiro o valor do Bônus Moradia, R$52.340, e escolher onde comprar. O departamento afirma ter tentado "várias vezes ajudá-lo, na procura de casa na região, em permuta, aluguel social, porém, ele insiste que quer o dinheiro do Bônus. Não temos outra forma de indenizá-lo, sem que ele traga documentação correta da casa que deseja comprar".
Saiba mais sobre a obra
* Começo da obra: julho de 2012
* Conclusão prevista: abril de 2014
* Prazo atual para conclusão: sem previsão
* A futura Avenida Tronco terá 6km
* Se as obras fossem retomadas hoje, seriam concluídas em dois anos
* Etapa atual: 33% de conclusão nos quatro trechos
* Situação financeira: a dívida é de R$ 10,4 milhões. Outros R$ 37,3 milhões já foram pagos
* O início será perto do Jockey Club, seguindo até a rótula da Avenida Coronel Gastão Mazeron, onde haverá uma bifurcação: um caminho para a Terceira Perimetral e outro para a Rótula do Papa. Será uma via de mão dupla, com corredor exclusivo para BRT, área e circulação de pedestres e ciclovia.