A disputa pelo poder na Fundação Universitária de Cardiologia (FUC), que teve eleições para o conselho da instituição há duas semanas, envolveu troca de acusações entre dois conhecidos médicos de Porto Alegre – entre elas, a de desvios de recursos que chegariam a R$ 20 milhões, entre os anos 1990 e 2002. A mantenedora do Instituto de Cardiologia – responsável por gerir os recursos administrativos do hospital de Porto Alegre – contratou uma auditoria externa para avaliar as denúncias.
A polêmica começou após o médico Alberto Beltrame, então membro do conselho, divulgar uma carta por e-mail a funcionários com acusações ao cardiologista Renato Kalil. Ao fim do texto, Beltrame anunciava sua candidatura ao conselho da fundação – os dois disputavam vagas e venceram. Após a definição dos conselheiros, Kalil foi eleito diretor-secretário do Conselho Diretor (órgão responsável pela gestão), mas pediu afastamento do cargo pelo prazo que durar a investigação.
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No documento divulgado aos funcionários, Beltrame acusa Kalil de apropriação indevida de recursos financeiros da fundação: ele afirma que Kalil teria beneficiado a Socicard (antiga Unicardio), empresa que presta serviços de cirurgia cardiovascular e da qual é sócio, com adiantamentos indevidos de honorários antes de a fundação receber a verba correspondente do Sistema Único de Saúde (SUS).
Kalil nega as acusações e afirma que irá processar Beltrame por calúnia e difamação. Ele alega que as ações de Beltrame têm motivação política.
– Essa carta não tem nenhuma verdade. Não reconheço nenhuma dessas denúncias. Na semana retrasada, tivemos eleições na fundação, e a carta foi divulgada dois dias antes da votação de 28 de março – afirma.
Beltrame não quis se manifestar oficialmente. Em nota, a fundação afirmou ter contratado uma auditoria externa no Paraná para avaliar as contas da instituição e a denúncia de Beltrame. A entidade não revelou o nome da auditoria e afirmou não ter prazo definido para apuração contábil do caso. A FUC aguarda o resultado da auditoria e afirma que, havendo eventual comprovação de superfaturamento, serão tomadas as medidas que forem consideradas adequadas pela instituição.
Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers) e Sindicato Médico do Estado (Simers) desconhecem o caso. Não há registro de processo no Ministério Público Estadual ou Federal.
Instituição administra hospitais também em Viamão e Brasília
Responsável pela gestão do Cardiologia, na Capital, a FUC administra também hospitais em Viamão, Alvorada, Cachoeirinha e em Brasília. A rede tem, ao todo, quase 3,9 mil funcionários e realiza cerca de 437 mil atendimentos (entre internações para cirurgia, consultas ambulatoriais, pronto-atendimento e emergência).
Os dois envolvidos na polêmica têm um longo histórico de relação com a instituição. Kalil integrou a coordenação do programa de pós-graduação da FUC de 1988 a 2002. Foi titular do Conselho Diretor de 1990 a 2000 e de 2014 até o momento. Além disso, foi diretor-científico de 2002 a 2010. Hoje secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, Alberto Beltrame foi superintende da FUC por duas vezes – de setembro de 2004 a maio de 2007 e de março de 2001 a outubro de 2015.
A briga pelo poder na fundação
A eleição para formação do Conselho da FUC, feita a cada três anos, elege nove membros, que após as eleições votam entre si para a definição do Conselho Diretor – este, então, elege quatro cargos: presidente, diretor-secretário, diretor-científico e diretor-tesoureiro. Kalil e Beltrame foram eleitos conselheiros. Beltrame, porém, ficou de fora do Conselho Diretor – Kalil foi eleito diretor-secretário, cargo que fica abaixo apenas do presidente da instituição.