A definição de um possível reajuste das tarifas para o transporte coletivo em Porto Alegre, que vem se arrastando desde o início do ano, chegou a um de seus maiores impasses até o momento: enquanto a prefeitura diz que prefere aguardar uma manifestação do Tribunal de Contas do Estado (TCE) antes de encaminhar a nova tarifa para o Conselho de Transportes (Comtu), o Tribunal anunciou que vai realizar uma inspeção especial para analisar se há irregularidades na proposta de aumento. A inspeção, que deve começar nesta semana, não tem data para terminar.
Em meio à indefinição, as empresas de ônibus afirmaram que não pagarão o reajuste acordado com os rodoviários – assim, a reposição de 5,5% nos salários e o aumento para R$ 25 no vale-alimentação, entre outros itens, ficam suspensos. A decisão sobre o novo valor fica a cargo da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), que não divulgou qual o valor considerado. A expectativa é de que fique em torno de R$ 4,05, mas as empresas de ônibus pedem que a tarifa seja de R$ 4,26.
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Até o fechamento desta reportagem, a EPTC não havia informado se, mesmo após o anúncio de uma inspeção especial sem prazo para conclusão, ainda pretende aguardar o parecer do TCE.
Conforme o diretor-executivo da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), Gustavo Simionovschi, como não há previsão de quando a prefeitura vai encaminhar o cálculo da passagem ao Comtu, a situação financeira das empresas de ônibus vai se agravando.
– Quanto maior a demora no reajuste tarifário, maior o déficit. Já acumulamos mais de R$ 100 milhões em prejuízo desde o ano passado, quando iniciou a nova operação do serviço. As empresas não têm mais como cumprir suas obrigações financeiras sem a contrapartida da tarifa, que é a única receita – explica o diretor executivo da ATP.
Apesar da suspensão do aumento a rodoviários até que seja definido o reajuste na tarifa, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transporte, Adair da Silva, afirma que a categoria está "tranquila" e "confia no pagamento do dissídio". O sindicato ainda não teria sido notificado pela ATP, mas Adair garante que, se até o final do mês as empresas decidam por não cumprir o acordo, eles entrarão na Justiça.
Inspeção pode levar à redução na tarifa
Determinada pelo presidente do TCE-RS, conselheiro Marco Peixoto, a abertura de inspeção especial na prefeitura para verificar os critérios de reajuste da tarifa (abrangendo os exercícios de 2014 a 2017) pode levar à suspensão do aumento das passagens ou até a uma redução em relação ao valor atual. Tudo dependerá do que os técnicos do Tribunal identificarem diante dos pontos apresentados pelos vereadores que encaminharem denúncia ao Ministério Público de Contas (MPC-RS).
A representação indica uma série de itens que poderiam comprometer a legalidade do procedimento de reajuste tarifário (confira abaixo). Diante do pedido de avaliação feito pelo MPC, o Tribunal poderia solicitar ainda mais prazo para se manifestar – como havia feito na semana passada – ou determinar a realização de uma inspeção especial, como acabou ficando decidido. Com isso, a expectativa da prefeitura de que um parecer sobre as tarifas saísse logo, embasando uma definição da EPTC, recebe uma pá de cal.
Em 2013, o MP de Contas também havia solicitado uma inspeção, aberta pelo Tribunal de Contas do Estado, sugerindo fragilidades e inconsistências em fatores que incidem na tarifa. No ano seguinte, a prefeitura revisou a planilha de cálculo.
O que é uma inspeção especial
Há dois tipos de inspeção realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE): especiais e extraordinárias. Uma inspeção especial é determinada pelo presidente do Tribunal a partir de denúncias, como ocorreu com o reajuste das tarifas, ou de suspeitas do próprio órgão. Só pode ser realizadas sobre exercícios que ainda não foram julgados – no caso das passagens, estão sob análise os exercícios de 2014 a 2017, já que em 2013 outra inspeção levou em conta as variáveis que incidiam sobre a tarifa até aquele ano. Já as inspeções extraordinárias podem ser feitas sobre exercícios já julgados.
Caso sejam identificadas irregularidades, o TCE pode conceder medidas cautelares capazes de, entre outras determinações, suspender o aumento da tarifa até novo cálculo, reduzir o valor das passagens ou até suspender a última licitação do transporte público.
Quais são as etapas para a definição do reajuste
1- Dissídio dos rodoviários:
É feita uma discussão entre as empresas e os trabalhadores para definir o aumento salarial. A data-base da categoria é 1º de fevereiro, e os sindicatos que representam rodoviários e empresários chegaram a um acordo no final do mês passado. Neste ano, o reajuste nos salários fica em 5,5%, o ticket de alimentação vai para R$ 25 e o plano de saúde familiar passa de R$ 30 para R$ 45, sem a obrigação de os funcionários pagarem as consultas.
2- Pedido de revisão
Sindicato das Empresas de Ônibus de Porto Alegre (Seopa) solicita à EPTC a revisão dos custos das empresas.
3- EPTC determina o valor
A empresa calcula quanto será a tarifa baseada na legislação e nos contratos de licitação.
4- Conselho vota nova tarifa
O processo de reajuste é encaminhado ao Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu). Os conselheiros têm sete dias para avaliar o estudo e votar pela aprovação ou não do novo valor da passagem. Se não for aprovado, pode haver uma nova discussão.
5- Sanção do prefeito
Se aprovado, o valor é encaminhado ao prefeito para a publicação, por decreto, no Diário Oficial. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) acompanha as discussões, auditando o cálculo da composição da tarifa durante o processo de reajuste. O Comtu aprova antes da sanção final.