O colorido do casario histórico e o túnel verde faziam da Rua Paraíba forte concorrente à mais bonita da cidade. Agora, são coadjuvantes em meio a outros problemas: lixo nas calçadas, insetos, cheio ruim e criminalidade imperam no antigo símbolo do bairro Floresta.
Moradores convivem desde a década passada com a prostituição e o uso de drogas nas ruas. O problema mais recente é a sujeira nas ruas e a infestação de ratos, vindas de unidades de triagem de lixo – uma delas, irregular.
Dono de uma distribuidora de livros, Sílvio Kaercher informa que os moradores passaram a ter gatos para combater as visitas indesejáveis. No local há mais de uma década, já está acostumado a ver roedores sobre os fios de luz, pelos porões da casa ou nas janelas. Em frente a casa de Kaercher mora o protético aposentado José Carlos Tamujo, filho de um ferroviário já falecido e conhecido entre a vizinhança como o morador mais antigo da rua. Tendo vivido os tempos áureos da Paraíba, ele sente falta de poder andar pela rua com segurança, ou tomar um chimarrão de porta aberta, porque a calçada agora está repleta de profissionais do sexo e do lixo. "Nada contra", diz, "apenas um desconforto em relação ao que a rua era e ao que se tornou":
– Respeito quem precisa trabalhar, estão ganhando seu próprio dinheiro. Mas o ruim é que deixam a rua muito movimentada, e deixam resquícios de sujeira – afirma.
Leia mais
Após pichações, DMLU limpa paredes do Mercado Público
Dmae espera resultado de coletas para apurar se mal estar digestivo tem relação com as condições da água
Mutirão para limpeza de ruas e praças começa sábado em Porto Alegre
Quando Tamujo era criança, a rua repleta de casinhas coloridas – que mais tarde foi tombada pelo patrimônio histórico – era considerada a mais bonita da cidade. Ali, na antiga Vila dos Ferroviários, Tamujo viu as árvores crescerem, vizinhos de mais idade partirem e o bairro mudar.
No número 177, duas entradas dão acesso a centros de reciclagem. Um deles é a Cooperativa Mãos Unidas Santa Teresinha, cadastrada na prefeitura, e a outra pertence à Associação de Reciclagem Ecológica da Vila dos Papeleiros (Arevipa), entidade não formalizada sobre a qual cai a maior parte das reclamações.
Na Santa Terezinha, Eloá Terezinha da Silva, ex-carrinheira de Uruguaiana, organiza a rotina de 37 cooperados em um espaço amplo, ventilado e sem vestígios de cheiro ruim. Em sua maioria mulheres, os trabalhadores seguem normas de convívio, como não fumar, não beber e cumprir horário, diz ela. Há espaço definido para realizar a separação do lixo reciclável do rejeito - as pessoas ficam posicionadas de acordo com a experiência na atividade. À exceção de Eloá, que trabalha em dois turnos, eles tiram por mês cerca de R$ 340 separando material trazido por caminhões da coleta seletiva da prefeitura, que é vendido depois pela cooperativa. Quem trabalha lá não é do bairro, mas sabe que deve zelar por ele, garante a tesoureira.
– Digo a eles: nada de lixo pela rua! E devem todos se responsabilizar pela limpeza interna do local. Os trabalhadores vêm de outras áreas da cidade, como Humaitá, Restinga. O pessoal da vila (dos Papeleiros) não se adaptou às regras – afirma a tesoureira, que, após passar por cursos de treinamento na prefeitura, incorporou novas práticas para melhorar a produtividade, como uso de EPIs, prensas e, sobretudo, o modo de lidar com as pessoas.
Na Arevipa, o trabalho tem menos regras. Em vez de separar material dos caminhões, os próprios recicladores trazem, em carrinhos, o que coletam pela cidade. A área cedida pela prefeitura serve para cerca de 100 papeleiros separarem lixo e venderem posteriormente para atravessadores. Com isto, explica o tesoureiro da associação, Mauro dos Santos da Silva, o Viana, conseguem tirar um valor até 30% superior ao da cooperativa.
Sem ter participado de programas de qualificação da prefeitura, a Arevipa tem condições de higiene piores. Na cooperativa Santa Terezinha, a área é organizada: o trabalho é realizado sobre mesas e há um depósito específico para o rejeito. Na Arevipa, tudo fica misturado: materiais, pessoas, cheiros e animais. Sobre a presença dos ratos, as duas unidades usam veneno para combatê-los. Sem sucesso.
– Eles vêm de noite, parecem uns soldados. Até durmo no galpão para proteger o patrimônio – diz Eloá.
– A gente faz o controle, coloca veneno, mas eles vêm igual – reforça Viana.
Leia mais
Paulo Germano: lei que proíbe carrinhos vai entrar em vigor
Bloqueio de rua e garagem isolada: ainda há marcas do temporal em Porto Alegre
Prefeitura diz que fará reunião para definir ações
Coordenadora executiva do Todos Somos Porto Alegre, programa da Secretaria Municipal de Relações Institucionais, Denise Costa conta que a partir dos cursos realizados na Santa Terezinha, foi possível elevar a produtividade de 1,36 toneladas/mês para 2,45 toneladas/mês. O trabalho segue orientação da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
– Buscamos que esses grupos se tornem mais organizados como cooperativas e possam usufruir de direitos e deveres – diz.
Questiona sobre a queixa dos moradores, Denise argumenta que a diferença entre as duas unidades é resultado do envolvimento dos trabalhadores na proposta de qualificação oferecida pelo Todos Somos Porto Alegre:
– Solicitamos várias vezes que a Arevipa aderisse ao programa, mas não podemos obrigar. Já houve pedido do Ministério Público do Meio Ambiente para intervirmos no local, mas ali é uma questão complicada. Tentamos várias ações e eles resistem – afirma.
Segundo ela, a prefeitura não descarta uma medida extrema, como retomar o imóvel, mas acredita que investir em cursos de capacitação técnica e formalização seja o caminho. No próximo dia 2, uma reunião com o prefeito Nelson Marchezan irá definir os rumos da política em relação aos papeleiros e como a nova prefeitura irá lidar com a questão.