– Oi! No momento, este telefone está programado para não receber chamadas.
Essa é a mensagem nos telefones de 20 das 22 unidades dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) contatados repetidas vezes pela reportagem da Rádio Gaúcha em Porto Alegre nos últimos dias. Por falta de pagamentos, telefones e internet foram cortados há dois meses. Em algumas unidades, chegou a faltar luz. A crise financeira da prefeitura deixa os Cras e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) em situação de abandono e estado de penúria. Faltam repasses a funcionários terceirizados, cestas básicas, alimentação, higienização e cartões assistenciais.
– Cada Cras atendia, em média, cem pessoas por dia. Agora estão abandonados e não há serviços que possam ser ofertados. A população acaba não acessando mais as unidades e fica em situação de vulnerabilidade social. Estamos sem a parte da limpeza e sem portarias, por exemplo. O serviço da infância no turno inverso está paralisado desde janeiro. Os oficineiros, terceirizados, que executam o serviço não recebem há três meses. A empresa que fornece alimentação também não foi paga – relata uma técnica, que pediu para não ser identificada.
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Com a situação precária, não é possível fazer o Cadastro Único para solicitação de benefícios, como o Bolsa Família. Os Cras funcionam como uma porta de entrada para serviços sociais na prevenção das situações de risco. Deveriam ajudar no combate ao trabalho infantil, à violência doméstica, à pobreza e aos maus tratos. Os beneficiários desses programas sentem na pele o resultado dos cortes.
– Impacta tudo, principalmente na vida financeira. Agora preciso deixar alguém cuidando dos meus filhos quando saio para trabalhar e tenho mais gastos com comida. Eles ficam sem fazer nada o dia todo. Antes, tinham aulas de arte e esportes. Agora passam o dia em casa, à mercê da criminalidade – comenta Cristiane Miranda, 40 anos, mãe de dois filhos que eram assistidos em um dos centros sociais.
A Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), que responde pelos centros, informou em nota que, apesar dos problemas envolvendo as linhas telefônicas e a internet, os Cras e Creas da Capital estão em funcionamento junto às respectivas comunidades. Além disso, a Fasc garante que o problema dos telefones é tratado pela diretoria financeira para ser resolvido o mais breve possível, e que o pagamento já está em andamento.
Apesar da informação passada pela Fasc, e ainda que os Cras estejam abertos, não há serviços que possam ser oferecidos à população, tendo em vista a carência de recursos devido à ausência de repasses.
– A falta de recursos vai levando a outros problemas. A assistência social é uma política de garantia de direitos a quem precisa. Nós, como município, não estamos conseguindo fazer a garantia destes direitos – argumenta outra assistente social de uma unidade, que também pediu para não ser identificada.
Em contato com a reportagem, o prefeito Nelson Marchezan revelou desconhecimento sobre o funcionamento dos Cras e, principalmente, sobre a situação de penúria em que se encontram. Marchezan prometeu tomar as providências necessárias para solucionar os problemas.
Segundo a secretária de Desenvolvimento Social de Porto Alegre, Maria de Fátima Paludo, grande parte da crise veio de herança da gestão do ex-prefeito José Fortunati, no que se refere a repasses para empresas que oferecem serviços terceirizados à Fasc por meio de licitações e a oferta de cestas básicas.
– A cesta básica foi dada até janeiro de 2016. Ou seja, um ano antes desta atual gestão assumir. Não há obrigatoriedade legal da Fasc fazer este tipo de assistência. Temos que pensar em políticas públicas que não sejam apenas assistencialistas, mas que sejam, acima de tudo, emancipatórias e sustentáveis – argumenta a secretária.
Em comunidades pobres nas imediações das unidades, famílias assistidas que tinham filhos matriculados nas oficinas de turno inverso dos centros, relatam a sensação de segurança que este serviço proporcionava. As crianças também recebiam uma refeição diária.
– Tive de largar meu emprego para poder cuidar dos meus filhos para que não ficasse correndo na rua às voltas com a criminalidade. Nos Cras, as crianças tinham uma alimentação bem melhor do que a que oferecemos em nossas casas – conta Lisiane Nascente de Moura, 32 anos.
A administração municipal diz estar analisando os contratos terceirizados e garante estar solucionando os problemas, ainda que não dê previsão para que a situação volte ao normal.
NÚMERO
Cerca de 2,2 mil pessoas eram atendidas por dia nos 22 Cras
Após a reportagem ser veiculada na Rádio Gaúcha, na manhã desta terça-feira, a Fasc enviou uma nota:
"O atendimento sócio assistencial de Porto Alegre realizado através da Fasc dá-se num conjunto de ações que beneficiam, em média, 40 mil pessoas/dia em Porto Alegre em parceria com entidades não governamentais. Alguns pontos importantes a serem esclarecidos:
- A Fasc possui 22 Cras e 9 Creas. Destes 22 Cras apenas 6 realizam atividades voltadas para crianças e adolescentes no turno inverso ao da escola, através do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV (conhecido popularmente como Sase). As dificuldades financeiras apontadas na reportagem/denúncia justificam em parte os problemas de pagamento às empresas terceirizadas que prestam e contribuem com o trabalho nestes espaços. Por vezes, tais empresas não têm cumprido com o seu papel e atuam de maneira irregular. Por isso, nosso empenho em regularizar tais contratos para que os cidadãos não sejam ainda mais prejudicados.
- Porto Alegre, por sua vez, possui uma caminhada histórica que fortaleceu ao longo das décadas diversas parcerias junto às mais de 453 entidades não governamentais da cidade que passaram a contribuir diretamente para a realização das atividades assistenciais. Para sermos mais específicos, temos hoje 163 entidades sociais que ofertam 422 convênios de serviços diversos, atendendo diversos públicos com foco nas famílias, crianças, adolescentes, indivíduos, adultos em situação de rua e idosos. Portanto, a Assistência Social de Porto Alegre realiza um trabalho fundamental no sentido da prevenção, acompanhamento e atendimento das situações de vulnerabilidade e riscos.
- Afirmar que não estamos realizando assistência social em Porto Alegre devido ao atendimento parcial de alguns Cras é promover injustiça e desrespeito às tantas iniciativas que realizamos através dos nossos serviços. Além das entidades parceiras, executamos, em nossas unidades próprias, ações que possibilitam o acesso da população aos direitos que lhes devem ser garantidos. Esses serviços e ações são realizados nos Cras, Creas, Centros Pop, Abrigos, Albergues, Centros Dia do Idoso.
- Diferente do que foi dito, serviços como os atendimentos aos jovens de 15 a 17 anos – Projovem (1.100 atendimentos/dia) estão em pleno funcionamento, assim como os atendimentos e acompanhamentos a famílias (Paif – Serviço de Atendimento Integral a Famílias e Paefi – Serviço de Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos) seguem normalmente."