Aprovada na Câmara Municipal, a lei que prevê cobrança em garagens e estacionamentos de Porto Alegre a cada 15 minutos desperta dúvidas em usuários e descontentamento nas empresas, que avisam: em vez de baixar, o custo de estacionar pode aumentar.
Proposta pelo vereador Cassio Trogildo (PTB), a medida aguarda sanção do prefeito Nelson Marchezan. Se aprovada, vai exigir que todos os estacionamentos cobrem de forma fracionada a cada 15 minutos – inclusive os dos shoppings, que hoje, em sua maioria, determinam um valor único para estacionar por quatro a seis horas.
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O Sindicato das Empresas de Garagens, Estacionamentos, Limpeza e Conservação de Veículos do Estado do Rio Grande do Sul (Sindepark-RS) promete entrar na Justiça caso a lei seja sancionada. Francisco Nora, presidente da entidade, diz que a medida traz insegurança jurídica, novos custos e prejuízo para empresário e consumidor.
– Além de ser inconstitucional, é pior para o usuário, pois a tendência é de que as empresas cobrem o mesmo valor por um tempo menor – afirma, salientando que já ganhou uma ação contra legislação semelhante no passado.
Trogildo argumenta que não há inconstitucionalidade por tratar apenas do tempo, e não do preço cobrado. Para ele, a medida favorece quem utiliza estacionamentos por período inferior a 30 minutos. A exemplo de cidades como Cuiabá e São Paulo (que promulgou a lei, mas discute juridicamente sua aplicação), busca beneficiar usuários de estacionamentos de rua e shopping centers da Capital.
– Trinta minutos é tempo em demasia para para a necessidade do consumidor. Não acho que a lei vai encarecer ou baratear o serviço, vai fazer com que se cobre apenas o que se usa – defende o autor do projeto.
Segundo o secretário de Relações Institucionais de Porto Alegre, Kevin Krieger, não há uma tendência de aprovação ou rejeição na prefeitura antes de ser feita uma análise técnica.
– A gente precisa esperar o projeto chegar para uma aprovação técnica e jurídica. Só depois podemos expedir uma avaliação – afirma.
Garagistas preveem aumento no valor das diárias
Como gerente do estacionamento João Manoel, no Centro Histórico, Jorge Ricardo Dutra informa que raramente os clientes passam menos de 30 minutos. Ele acredita que a medida vai onerar quem fica períodos longos:
– Não vejo vantagem nem para o cliente, nem para o dono. O que vai acontecer é que, provavelmente, os preços da hora subirão, e aqueles que usam muito pagarão pelos que usam pouco.
Para o autônomo João Paulo Debacker, que mora na cidade de Barão e visita a Capital semanalmente, a mudança parece ter um viés "arrecadatório". Ele entende que o intuito da lei é promover maior circulação nos estacionamentos, mas considera que, caso o motorista exceda os 15 minutos, pagará valores mais altos.
– Acho que vai ficar caro para quem vem passar uma tarde no Centro – observa o usuário do serviço.
Na Garagem do Bolinha, na Rua Demétrio Ribeiro, o gerente Paulo Vasconcelos caracteriza a mudança como um falso benefício – prevê que a obrigatoriedade do tempo fracionado impactará no valor das diárias:
– É uma lei feita por quem desconhece o assunto. No primeiro momento, parece que vai beneficiar, mas o problema vai ser a diária, usada pela maioria dos clientes.
Desde agosto passado, uma garagem com duas unidades no Centro Histórico decidiu testar um modelo de cobrança por 20 minutos. Antes mesmo de saber da lei, o supervisor da Estafácil Heron Adams aplicou no estacionamentos da Rua dos Andradas o preço de R$ 6 por 20 minutos (na unidade da Riachuelo, o valor para meia hora é R$ 5). O teste deu certo, e a empresa vai implementar a iniciativa na outra unidade a partir de março, com valor ainda a ser definido.
– Diminuímos o tempo para ganhar mais, já que o principal faturamento está no rotativo – relata.
Vereadores questionam opinião pública na vida privada
Quem votou contra a medida entende que o poder público não deveria legislar sobre organização da economia privada. O vereador Adeli Sell (PT) avalia o projeto como "equivocado e inoportuno" e diz que ele traz a falsa ilusão de baratear o serviço.
– Se não for vetado pelo prefeito, será vetado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Todas as vezes que se legislou sobre isso, as medidas foram derrubados – recorda o petista.
Mendes Ribeiro (PMDB) votou contra porque ficou em dúvida. Acha o projeto "bem intencionado", mas teme que seja um "tiro no pé" se o valor cobrado pelos atuais 60 minutos se aplique aos pretendidos 15 minutos.
– Os empresários têm direito de fazer o preço que quiserem, mas o poder público não tem de intervir nas ações privadas. Tem de cuidar da saúde, da educação, dar infraestrutura e deixar os empresários resolverem isso – afirma o parlamentar.
ENTREVISTAS
"A falta de planejamento de longo prazo prejudica a economia das garagens".
Francisco Nora, presidente do Sindicato das Empresas de Garagens, Estacionamentos, Limpeza e Conservação de Veículos do Estado do Rio Grande do Sul (Sindepark-RS)
A quem a medida beneficia?
Esse tipo de legislação já apareceu em outras oportunidades. As entidades entram com ações, e a lei acaba sendo anulada. A leitura é que não beneficia nem o usuário, nem as empresas. Se o estabelecimento cobra R$ 10 reais por 30 minutos e a lei obrigada a cobrar por 15 minutos, ele terá prejuízo.
Os donos de estacionamento têm um esquema para compor o preço levando em conta os que usam muito e os que usam pouco. Como essa medida vai influenciar?
Se for sancionado, cada estabelecimento vai tomar uma medida diferente para compor seu preço, levando em conta fatores como localização, funcionários, segurança, rotatividade. Se não existir liminar, os estacionamentos vão ter de se adequar.
Na prática, como ficarão os preços?
Depende da tarifa dos estacionamentos. Em outros serviços, como hotel ou táxi, existe cobrança mínima de diária ou bandeirada. A definição desse valor mínimo é feito com base em uma análise de demanda, investimentos, tempo que leva para retorno. A tabela é formatada de acordo com os custos do estacionamento, necessidade de remuneração e demanda. Não existe uma orientação padrão da entidade para a cidade, a formação de preço varia de acordo com cada atividade. A zona da cidade importa também, relacionado com o custo imobiliário.
Como o planejamento da cidade impacta nos estacionamentos?
Nora - A questão dos estacionamentos deveria ser de planejamento urbano de longo prazo. As prefeituras não fazem política de parqueamento casado a acessibilidade, circulação de trânsito e engenharia de tráfego. A lógica está equivocada, e este projeto de lei mostrou desconhecimento do mercado. Recentes mudanças de trânsito na área central, no entorno das avenidas Independência, Cristóvão Colombo e Protásio Alves, mostram que a falta de planejamento de longo prazo prejudica a economia das garagens.
"A lei vai fazer com que se pague pelo que se usa".
Cassio Trogildo, presidente da Câmara Municipal e autor do projeto de lei
De onde surgiu a ideia desta lei?
Recebemos a sugestão de várias pessoas que alertaram para essa ideia. Ainda ano passado, apresentamos esse projeto, que veio suceder a lei 8.359, de outubro de 1999, que fracionava o tempo de 30 minutos. Está vigente. Hoje, os estacionamentos fracionam por causa dessa lei municipal. Nós propusemos o fracionamento dos 15 minutos por razoabilidade. Achamos que isso é benéfico ao consumidor, que vai na farmácia, por exemplo. Fomos estudar a matéria. O amparo era a lei vigente e a necessidade da população. Estabelecemos que os estacionamentos devem ter uma placa informando o valor de 15, 30, 45 e 60 minutos, e os estacionamentos também devem ter relógios visíveis, para o usuário conferir.
Beneficia a quem a medida?
Não vai haver a redução do preço, nem deve haver aumento. Vai haver a cobrança do que é utilizado. Hoje estão cobrando 30 minutos. Não acho que vai baratear o serviço. A lei vai fazer com que se pague pelo que se usa. Isso será aplicado tanto em shoppings, centros clínicos e estacionamentos privados normais.
O sindicato diz que a proposta é inconstitucional...
Não estamos determinando o preço. Falamos sobre o tempo em que o cidadão vai usar o serviço.
A lei pode surtir efeito contrário e, em vez de baratear, as empresas podem elevar o preço, onerando o usuário.
Não precisa ser proporcional. Se cobrar por 15 minutos o que cobra por 30, isso será considerado abusividade. A tendência é que pague um preço menor.