Não há naquela margem do Guaíba, em Porto Alegre, nada que lembre a entidade náutica que pelos últimos 20 anos se pretendeu ver erguida e funcionando na Vila Assunção. Da escola de vela, apenas uma malconservada rampa ficou como resquício; do trapiche, onde eram atracadas embarcações, nada mais se consegue distinguir. O contador de água continua lá, em meio ao lixo que se acumula, assim como um poste que até alguns anos atrás levava luz – com os fios destruídos, é mais um símbolo do vandalismo e do abandono que marcam o local.
A placa circular de madeira que servia como farol aos visitantes – explicando que na Avenida Guaíba 4.477, Zona Sul, eram desenvolvidas as atividades da Associação Pró-Esporte, Cultura e Meio Ambiente (Proa) – tampouco segue dando as boas-vindas. Foi levada. No local agora ermo, um amontoado de vigas e tábuas, antes uma casa em que os visitantes eram recepcionados, indica que houve cursos de vela e passeios de barco por ali.
Leia mais:
Veja cinco projetos da Câmara de Porto Alegre que vão dar o que falar
Professora leva, todos os dias, seu cão idoso para passear de carrinho no Centro
Após melhorias, uso de bicicletas de aluguel aumenta 84% em Porto Alegre
O amontoado dos restos que temporais e vândalos ainda permitiram permanecer de pé é o retrato do abandono de uma instituição que surgiu para promover lazer e esporte na orla. Gestada pelo menos desde 1997, a sede sociocultural da Proa, entidade criada por um grupo de velejadores com o objetivo de aproximar os porto-alegrenses do mundo náutico e do Guaíba, caiu em decadência após uma série de polêmicas com os moradores do bairro (envolvendo, especialmente, o barulho à noite e a venda de bebidas alcoólicas).
– Isso aqui era bacana, bem cuidado. Fim de semana, estava sempre lotado. É uma pena que tenha virado esse monte de nada – afirma João Carlos de Oliveira, soldador naval aposentado que trabalhou em clubes nos arredores e há 40 anos mora no bairro.
Ele passa quase diariamente pelo local, às vezes de moto, às vezes de bicicleta. De 2015 para cá, relata ter visto incontáveis pessoas levando cordas, telhas, janelas, pedras e tudo mais o que houvesse por ali, até que não restasse mais quase nada. Vez que outra, encontra também gente que passa a noite nas ruínas da antiga casa. Aqueles que usufruem do local para esporte, para lazer, passaram a ser raros. Quando muito, aparecem em algum sábado ou domingo de tempo bom.
– Antes, tu vinhas aqui para passar 15 minutos e acabava ficando horas. Hoje, está assim – lamenta.
Há menos tempo convivendo com o local, a doméstica Josiane Andrade Ferreira lembra de ter visto ali moradores, banhistas e praticantes de esportes. De uns anos para cá, só vê sujeira:
– Dois anos atrás, ainda tinha algum movimento, mas hoje tu passa e só vê lixo. Nem sabia que existiu uma associação ali. Acho que seria legal ver essa área melhor aproveitada.
Uso do terreno pela associação sempre foi polêmico
A derrocada da associação começou em função do uso considerado inadequado do local. A escola náutica, que teria autorização para promover o esporte e também comercializar alguns produtos em uma cantina, não poderia funcionar durante a noite, com música alta e venda de bebida alcoólica – o que acontecia com frequência, segundo moradores.
Outro questionamento diz respeito às reclamações de uso privado da orla, argumento que opunha defensores das margens do Guaíba como bem público e entusiastas de alternativas que permitissem ao público usufruir de locais de contato com a natureza antes pouco explorados. Pois a situação atual parece ser o pior dos mundos: abandonada, a área virou abrigo de lixo e, disputada, não tem destino certo, seja para um lado ou para outro.
"Atualmente existe um Grupo de Trabalho (formado por vários Órgãos do Executivo) que estuda a melhor utilização da área de acordo com a legislação ambiental, por se tratar de terreno marginal, à beira do Guaíba. Já foram vários os pedidos de utilização do local, mas até agora foram negados por não se adequarem à legislação ambiental", afirmou a assessoria de comunicação da Secretaria da Modernização Administrativa e dos Recursos Humanos (Smarh), do governo estadual.
Haveria pelo menos três processos junto à secretaria solicitando autorização para uso da área: o primeiro, do Sindicato de Administração Tributária (Sindifisco-RS), que tem uma sede logo ao lado do terreno; o segundo, da Federação Gaúcha de Stand Up Paddle, que gostaria de utilizar o espaço para promover o esporte; e o terceiro da própria Proa, no nome de seu presidente, Alexandre Hartmann, em uma tentativa de reaver o terreno. Os três processos constam como abertos no ano passado.
A questão do uso do terreno é polêmica desde o início da construção da sede – e, depois de pronto, o barulho foi uma reclamação recorrente. Ainda hoje, os moradores mais próximos relatam que houve dano ambiental e uso privado da orla. Mas lamentam que a área tenha ficado completamente abandonada, sem que qualquer pessoa ou órgão se responsabilize pela limpeza e pelo bom uso da antiga Proa.