Por volta das 14h desta sexta-feira, os seis casarões da década de 1930, que por meio de medidas judiciais resistiam havia 14 anos começaram a virar entulho na Rua Luciana de Abreu, no Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
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Em uma hora e meia, duas escavadeiras e 30 trabalhadores – protegidos por tapumes e guarnecidos por cerca de 15 seguranças – já haviam colocado quatro das construções no chão (as de números 250, 258, 262 e 266).
A ação, realizada às vésperas do Natal, foi tão surpreendente e rápida que sequer chegou a atrair defensores, como a Associação Moinhos Vive, responsável por protestos anteriores contra a demolição das casas. Enquanto máquinas e operários trabalhavam, cerca 30 moradores da vizinhança e curiosos observavam a destruição à distância.
– Ficamos sabendo que a demolição ocorreria nesta semana por meio de um guardador de carros – comentou uma moradora do prédio 267, em frente ao casario, que não quis se identificar.
A operação que pôs abaixo as casas, cujo tombamento chegou a ser defendido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), prosseguiu às 15h50min, com a derrubada da casa número 272, sob o comando de Claudio Goldsztein, um dos diretores da construtora Goldsztein, proprietária pelos imóveis. Em meio ao processo, ele movimentava-se de um lado para outro, ao mesmo tempo em que falava com engenheiros e seguranças, tentando fazer com que a demolição ocorresse sem percalços.
– Me deixem pegar meus gatinhos – implorava, às lágrimas, Neide La Salvia, moradora da Rua Santo Inácio, que todos os dias costumava ir até a casa número 272 levar ração e água a cerca de 10 felinos que habitavam o local abandonado.
Ao ver a comoção de Neide, Claudio Goldsztein tentou acalmá-la:
– A garagem onde os gatos ficam não foi mexida. Nem vai ser mexida hoje – garantiu o executivo.
A casa 272, no entanto, acabou sendo a penúltima a ir ao chão, entre as 15h51min e as 16h35min, depois que o executivo permitiu a entrada de Neide para ver se algum dos gatos ainda permanecia no local. Em seguida, os operários voltaram as atenções ao imóvel 242, o primeiro do grupo na ordem numérica e o último a ir abaixo.
Vizinhança dividida sobre a destruição dos imóveis
Em meio aos observadores, houve quem aplaudisse a medida. A advogada Maria Cristina Hoffmeister Meneghini, 54 anos, mora na Rua Luciana de Abreu e diz que não passava mais em frente ao casario, que segundo ela, teria se transformado em local de consumo e tráfico de drogas:
– O cheiro era horrível. As casas estavam fechadas e eram antros de marginais. Tenho amigos que moravam do outro lado e que seguidamente deparavam com ratos que vinham dali.
Morador da Rua Dinarte Ribeiro, um casal se revoltou com a poeira levantada e com a própria demolição do conjunto de casas que considerava patrimônio da população.
– Eles chegaram demolindo tudo. Minha casa tem um metro de poeira dentro – reclamou o marido, que preferiu não se identificar.
Segundo ele, os vizinhos do casario só foram avisados oficialmente da demolição às 15h40min, depois que quatro das casas já haviam virado entulho.
Confira um trecho da carta
"Caros vizinhos. Desde o início, a Goldsztein sempre demonstrou respeito por todos aqueles que manifestaram preocupação com estas casas, o que possibilitou a ampla investigação judicial que concluiu que elas não preenchiam os requisitos exigíveis para a preservação. Resignadamente a empresa aguardou a conclusão da Justiça ao longo de uma década e meia."
O documento é assinado por Sérgio Goldsztein, um dos diretores da construtora e ressalta que "a empresa permanece de portas abertas para dialogar com os vizinhos. Em breve, teremos novidades".
ZH tentou contato com o movimento Moinho Vive, mas não conseguiu localizar, até o fim da tarde desta sexta-feira, seus representantes. O vice-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Vinicius Vieira, disse que a entidade divulgará uma nota oficial sobre o assunto, mas lamenta que a organização da cidade esteja priorizando prédio altos em detrimento de uma urbanização horizontal, que aproximaria mais os moradores:
– Agora, claro, não se tem mais o que fazer quanto aos casarões, seria muito importante que eles tivessem sido utilizados para as pessoas. Mas esperamos que esse episódio sirva para revitalizar alguns valores da cidade, para que situações como essa não se reproduzam e para que a gente reflita sobre o que seria uma rua viva, animada e segura.