Elon Musk vai colonizar Marte para salvar a humanidade. Marte, o planeta vermelho. O objeto de fantasia de tantos escritores e filmes de ficção científica. Há pouco mais de um mês, Musk anunciou seu plano e de sua empresa, a SpaceX, envolvendo foguetes gigantes capazes de ir à Marte, levar cerca de cem pessoas, e voltar para buscar mais gente.
Sim, Elon Musk, o criador do Tesla, que transformou o carro elétrico em sonho de consumo, e que liberou o uso de suas patentes de tecnologia solar para que todos possam libertar-se do combustível fóssil. Segundo ele, a SpaceX, atualmente, coloca satélites em órbita apenas para se capitalizar e poder construir os tais foguetes reutilizáveis para estabelecer a colônia em Marte. Elon Musk é bilionário, mas sua fortuna não chega perto da quantia necessária para essa empreitada. Em seu plano, foguetes gigantes, construídos com uma tecnologia ainda não totalmente desenvolvida, sairão da Terra e, graças a um esquema sequencial de reabastecimento, chegarão a Marte em três meses.
A viagem de ida será superdivertida, segundo ele. Brincaremos na gravidade zero, comeremos pizza, assistiremos a filmes e, quando virmos, estaremos em Marte. Para alguém que sofre num voo de 10 horas, fica difícil imaginar esses três meses. Daí, usando combustível baseado em metano existente em Marte, os foguetes retornarão com carga – por exemplo, minério – a ser vendida e usada na Terra. Neste momento, uma passagem só de ida pra Marte custaria US$ 20 bilhões. Se a tecnologia que ele está desenvolvendo funcionar e for completamente operacional, esse custo cai para US$ 200 mil. Quase acessível – o preço de uma casinha de dois quartos no meio-oeste americano. Em vez de viver em Wisconsin, o sujeito vai morar em Marte.
O planeta perfeito para a humanidade começar de novo, Marte é pertinho. Para agricultura, tem na atmosfera nutrientes vitais como Nitrogênio e Dióxido de Carbono. E a gravidade é só um terço da que temos na Terra, o que significa que seremos Hércules levantando praticamente qualquer coisa! Musk imagina uma cidade marciana de milhões de pessoas. O que vai requerer milhares de espaçonaves e dezenas de milhares de viagens. Se tudo der certo, poderemos ter isso daqui a no mínimo 40 e no máximo 100 anos. Musk amarra tudo em contratos inquebráveis, para garantir que, depois de sua morte, o plano continue e a companhia não seja dominada por investidores que só querem lucro e desistirão de Marte. Foi quando ele disse isso que me ganhou. Uma pessoa que pensa para daqui a 100 ou 200 anos, ou mil, sem se importar com seu corpo físico. E não só pensa, mas põe em prática o que for necessário, custe o que custar. Quem dera fôssemos todos assim.
Mas para que todo esse trabalho? Por que ir para Marte? Para Musk, existe uma alta probabilidade de um juízo final consequente das políticas de desigualdade racial e social que a humanidade vem praticando. Assustadora é a calma constatação de que ele tem razão. E mais uma vez me maravilho com a raça humana, que cria em todas as gerações pessoas que vivem para o genocídio, e pessoas como Musk, que não apenas entendem que isso vai acontecer, mas colocam efetivamente em prática um plano B que parece saído de uma novela distópica, mas não é.
Às vésperas da eleição que colocou Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, depois do Brexit, depois da decepção e da tristeza causada pela situação do Brasil, me pego fantasiando se não vale mesmo a pena vender meu apartamento e comprar uma passagem dessas. Chegar lá, com um punhado de sonhadores que topa começar tudo de novo, e responder para o David Bowie, sim, existe vida em Marte.
* Cristina Bonorino escreve mensalmente no Caderno DOC.