A Feira do Livro de Porto Alegre, que começou na sexta-feira, usou uma grande sacada para sua divulgação nas redes sociais: criou links para notícias do tipo que dificilmente resistimos clicar, como "Foto rara de borboleta chorando surpreende". Ao clicar, revela-se que é apenas uma isca – a notícia é inventada –, e aparece um convite para dedicar essa curiosidade à leitura de um livro. Não sei se a campanha fará com que as pessoas leiam mais, aumentando os índices de leitura no país que, apesar de um leve incremento, seguem baixos: segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil divulgada recentemente, 44% da população não lê. Mas ela certamente não deixa indiferente quem cai na "armadilha", por desvelar como nos atraem essas leituras banais.
Tomando "leitura" como o ato de decifrar letras e palavras, até que lhe dedicamos bastante tempo, com notícias, postagens em redes sociais, conversas de Whatsapp. Porém, ler transcende essa mera operação: diz da compreensão e das relações tecidas com outras leituras e experiências e, também, da criação de novos sentidos, ideias, interpretações. Na era da informação, no entanto, não raro a leitura fica restrita ao ato de decifrar: entendemos o que foi lido, podemos até reproduzi-lo em uma conversa cotidiana, mas seu sentido se esgota em si mesmo.
Esse é um dos grandes vilões das leituras mais extensas, demoradas, como são os livros. Acostumados à companhia permanente do smartphone, com o qual saltamos entre conversas, imagens e textos breves, temos cada vez mais dificuldade em dedicar a atenção exclusiva, silenciosa e demorada que requerem os livros. Mesmo quando o aparelho está no silencioso, na tentativa de nos desconectarmos por uns momentos, é difícil resistir a dar uma "checadinha", interrompendo o estado contemplativo que demandam as camadas mais densas da leitura.
Mas não é só nossa capacidade de ler livros que é afetada pelo transtorno de déficit de atenção generalizado do qual todos, em alguma medida, padecemos. Ampliando seu sentido para além das letras, a leitura é um processo cotidiano, que envolve a capacidade de compreender e interpretar o que vemos, vivemos e sentimos. Diz de um tempo necessário para que se possam registrar os efeitos daquilo que colhemos, contrastar com o que levamos em nossa bagagem pessoal, estabelecer diálogos e contrapontos. Estamos o tempo todo lendo, mais ou menos atentamente, mais ou menos profundamente.
O imperativo de responder rapidamente, seja com "likes", opiniões ou conclusões, solapa esse tempo mais demorado, porém fundamental da leitura. A economia desse tempo, no entanto, pode sair cara: corre-se o risco de deixar que outros, que aparentem ter as soluções às inquietações que nos movem, leiam e respondam por nós. A premência em ler e responder rápido pode não apenas nos levar a rumos indesejados, mas também empobrecer nossa experiência do mundo e da vida. As leituras fáceis são como doces: têm atrativo e prazer imediato, mas se nos alimentamos apenas com elas, corremos o risco de deixar a alma desnutrida.
Paulo Gleich escreve mensalmente para o Caderno DOC.