Escrevendo na Polônia ocupada pelos nazistas dos anos 1940, o poeta e ensaísta Czeslaw Milosz deixou-nos reflexões cuja verdade profunda só fez frutificar. Há análises e observações do prêmio Nobel de Literatura reunidas em seu Legends of modernity – essays and letters from occupied Poland, 1942-1943 que poderiam e deveriam ser incorporadas de pronto à rotina de reflexão daqueles que se propõem a pensar seriamente no Brasil de 2016. Isso devemos não apenas à virtude do escritor e do homem de ideias que foi Milosz, mas também à incapacidade de dar por encerrados, resolvidos, certos problemas da História das Ideias – especialmente as políticas.
No ensaio Absolute freedom (“Liberdade Absoluta”), por exemplo, Milosz escreve o seguinte: “As delicadas mãos dos intelectuais ficam manchadas de sangue no momento em que uma palavra carregada de morte deles emerge, mesmo que eles vejam-na como uma palavra de vida. Talvez seus livros não sejam lidos pelas massas, mas o jornalista que escreve artigos para a imprensa diária o lerá. Esses artigos são lidos por lideranças populares, por professores, pelo homem comum. E, assim, a moeda das ideias, dos pensamentos, começa a rolar; ao longo do caminho, as letras mais sutis são apagadas, até que, suave e simplificada, alcançam as massas sob a forma de um único lema, um chavão barato”.
Permitam-me dar um exemplo bem brasileiro de uma versão atual do que escreveu Milosz. Pensem no caso de amor de professores e jornalistas com a violência política da esquerda.
Recentemente, Jô Soares envolveu-se em polêmica ao confrontar os autores de um livro sobre os black blocs em seu programa. A autora, Esther Solano, professora da Unifesp, seja em seu livro (com seus coautores), seja em artigos de imprensa com o professor da FGV-SP Rafael Alcadipani, é um caso exemplar do que Czeslaw Milosz descreveu acima. Para ela e para seus colegas, a violência dos black blocs é "simbólica", "estética", "teatral" e, fundamentalmente, voltada "contra o sistema capitalista e seus símbolos", um palavreado que transforma marginais em combatentes, assassinos em heróis. Ela pode imaginar que as suas são palavras cheias de vida, mas são mortíferas. Esse discurso de celebração da violência anticapitalista ou "antissistema" já é batido na universidade: o professor da USP Vladimir Safatle escreve em seu último livro que a obra "poderia abrir as portas para um certo elogio da violência". E ele acha isso bom.
Era óbvio que essa adulação mal disfarçada da violência black bloc não ficaria restrita às palavras do intelectual e do acadêmico. Os jornais, que atingem público muito mais amplo, já ganharam defesas notáveis dos delinquentes responsáveis pela morte de Santiago Andrade, o cinegrafista da Band, em 2014. Escrevendo para o El País, a premiada jornalista Eliane Brum não fez muito esforço para encobrir suas simpatias pelos encapuzados, chegando ao cúmulo de afirmar que "para a esquerda tradicional, rechaçá-los deveria ser um motivo de constrangimento". Boa mesmo é a esquerda que incendeia, destrói e mata.
Mais do que perguntar por que a esquerda ama essa violência, queria perguntar é até quando você, leitor, vai aturar essas imposturas. E aí? Até quando?
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* Eduardo Wolf escreve mensalmente no Caderno DOC.