Por Luciana Wickert
Psicanalista
No fim de semana passado, um adolescente paulista de 13 anos morreu em um caso de choking game, aparentemente desafiado por ter perdido uma partida de League of Legends (LOL). O desmaio ocasionado pela asfixia foi assistido por webcam pelos seus companheiros de jogo que, quando perceberam o ocorrido, solicitaram ajuda.
No entanto, era tarde demais.
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Tragédias como essa despertam as atenções de pais e educadores e colocam em questão os riscos que rondam os adolescentes. O que aconteceu com esse garoto sozinho em seu quarto, mas acompanhado virtualmente, poderia, em outros tempos, ter ocorrido no território da rua. Talvez alguns adultos lembrem as apostas de perigo que faziam na adolescência, como atravessar um rio com correnteza a nado ou beber e pegar o carro. Colocar-se diante de riscos de morte não é uma prerrogativa exclusiva da juventude contemporânea.
O teste dos limites é próprio da constituição de si na adolescência. Isso ocorre porque o jovem já não tem mais os benefícios da infância, encontra-se com um corpo em transformação, sem contar com a experiência da adultez. Está em tempo de mudanças, buscando conhecer os contornos de sua existência. O que posso?
O que sinto? Quem é confiável? O que quero? Que corpo é este? Quais são os meus limites?
E os limites do outro? Questões que o impactam no tempo presente, mas que nem sempre são formuladas simbolicamente.
Na falta de suporte simbólico, atos de flerte com a morte, como ações perigosas gestadas em grupo, atividade sexual sem proteção e drogadição, são mais frequentes. Todo flerte tem a sua dose de prazer e necessariamente convoca o outro. Assim, um choking game, assistido virtualmente, diz respeito a todos os envolvidos. Põe em evidência a curiosidade, o desconhecimento e os processos de construção dos limites de si e do outro. Na adolescência, o grupo de amigos funciona como um espelho importante que auxilia a dar contornos para a existência, dizendo quem se é, o que se deseja e o que se pode. Entretanto, o grupo de iguais não pode ser a única fonte de reconhecimento.
Em um cenário social marcado pelo aumento dos índices de violência, a crença de que os filhos estarão mais seguros se estiverem no âmbito doméstico tem caráter apaziguador. Mas a internet possibilita uma série de relações sem que as pessoas saiam de casa. Jovens reúnem-se, jogam online, conversam, passam horas no WhatsApp ou no Snapchat. Questões e conflitos que ocorriam com corpos presentes agora são mediados por artefatos eletrônicos. Neste contexto, como auxiliar os filhos a se prepararem para descobrir modos de viver respeitosos consigo e com os outros?
Primeiramente, é necessário estar disponível a acompanhar as agruras e alegrias de adolescer. Abrir-se para os interesses da juventude. O filho joga videogame? É fã de youtubers? Curte a lista da Billboard? Mergulhe neste mundo. Debata. Aprenda. Coloque o seu ponto de vista e acolha as percepções e opiniões do adolescente. Acolher não é necessariamente concordar. Neste movimento de palavras e de presença, será mais viável estabelecer laços de confiança.
Muito mais potente do que supervisionar os filhos é acompanhá-los na sua trajetória de vida. Na conversa efetiva, surgem dúvidas que podem parecer pequenas aos olhos do adulto, mas que contêm toda uma gama de aprendizagem que sustentará as ações daquele jovem. Afinal, um dos objetivos da família é auxiliar os seus componentes mais jovens a terem condições de dar conta de si estando ou não acompanhados.
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Trabalho muito com adolescentes, e não raro eles me dizem: meus pais não me conhecem, não sabem quem eu sou.
É comum que os pais também se afastem nesse período, porque as mudanças no papel de educar mobilizam os adultos. Associa-se a este distanciamento um discurso corrente que simplifica o conceito de limite como o estabelecimento de proibições, levando a um entendimento capenga de que os filhos terão limites se receberem nãos.
Para que um adolescente tenha subjetivado a noção de limite, é necessária uma gama discursiva muito mais ampla do que sequências de negativas – pois o que o sustentará frente às questões da vida são os conjuntos discursivos costurados nos meandros do cotidiano e da intimidade, que incluem o não, o sim, o talvez, os porquês, entre tantas outras palavras. Para isso, adultos e adolescentes precisam de tempo, curiosidade com o outro, atenção e respeito. E, mesmo com todos os cuidados, tragédias – como esta que atingiu a família e os amigos do garoto de 13 anos – podem acontecer.