Podemos sair do Facebook, parar de ler jornais, abandonar as grandes cidades ou até o país, mas dificilmente ficaremos imunes ao clima de desesperança que se acomodou no Brasil nesses últimos dois anos. O fenômeno é interessante (eu o descrevo dentro de uma bolha, é claro): passamos por uma fase deslumbrada somos-capa-de-revistas-internacionais; eu disse para um estrangeiro que ele devia ir ao Brasil; achamos, os brasileiros, que a ideia de futuro não estava exatamente certa, então fomos para a rua reclamar; em algum momento, uma festinha em uma praça abandonada de Porto Alegre parecia ter o poder de mudar o mundo; comíamos pastel integral de brócolis de pé na cidade malcuidada e comemorávamos pequenas vitórias do tipo "mais um trecho de ciclovia pronto"; não estávamos gostando muito do nosso lugar, no nível municipal, estadual ou federal, mas ainda tínhamos um olhar capaz de detectar pontos positivos, como "temos uma feira orgânica excelente" e "pelo menos o ProUni, a política de cotas, sei lá”; vieram os escândalos de corrupção; as discussões se polarizaram; os olhos passaram a ver apenas o cenário pré-apocalipse; voltou a ideia de que o Brasil é a porcaria de sempre, uma porcaria para a qual não há saída; a violência aumentou, e a percepção da violência explodiu; nos sentimos bem em nossa pele por uns três dias porque a abertura da Olimpíada foi bonitona; eu nunca mais disse para nenhum estrangeiro ir ao Brasil.
Podemos nos montar por anos e anos como indivíduos autônomos, cheios de opiniões próprias e com uma trajetória única, mas é impossível tirar completamente o coletivo – e suas mudanças de humor – de dentro de nós. Muitos tentam. Talvez seja um sonho velho. Escrevo essa coluna de uma região dos Estados Unidos que foi particularmente tocada por essa ideia: o norte da Califórnia viu nascer um sem número de comunidades hippies no fim dos anos sessenta. A utopia de apartar-se, criar um coletivo mais controlado, mais "ao nosso gosto", moldou todo o condado. Não dá para dizer que a experiência foi totalmente bem-sucedida. O casal que me alugou a casa – no airbnb, diga-se de passagem – fez parte de tudo isso, mas agora eles estão na sala me servindo café, horrorizados com uma possível vitória de Donald Trump.
O coletivo não descola de nós. O cenário entra para dentro da personagem. Essa é minha última coluna. A decisão de não escrever mais crônicas é pessoal: o jeito de me comunicar que mais me interessa é mesmo a ficção, quero mudar de ares, as polêmicas estão me dando preguiça etc. Mas essa é uma decisão que também passa pelo coletivo. Acabou o entusiasmo, Brasil. Por muito tempo, foi extremamente recompensador sentir que eu estava "dando voz" para pessoas que tinham uma ideia de cidade mais humana. Não escrevi só sobre isso, é claro, mas destaco esse tema porque houve uma sintonia muito especial entre o que eu estava pensando e o momento que o país – a bolha dentro do país – atravessava. Mas agora acho que quero só amar, olhar para os pinheiros e escrever meu próximo livro.
Agradeço a Cláudia Laitano, que me convidou para escrever na Zero Hora, por todos esses bons anos. Há um pássaro azul ali fora e eu preciso ir. Boa sorte para todos nós.