*Por Choe Sang Hun, do The New York Times
A casa de Lee Min Bok, formada por dois contêineres, é monitorada por 12 câmeras de vigilância da polícia de Pocheon, na Coreia do Sul. Os cães latem para qualquer estranho que passe pelo caminho de terra batida. Detetives à paisana verificam sua caixa de correio e o acompanham onde quer que vá para protegê-lo de possíveis assassinos enviados pela Coreia do Norte, que ameaçou matá-lo.
Nos dias em que o vento sopra para o norte, Lee, 59 anos, sai com seu caminhão de segunda mão, de 4,5 toneladas, transportando um grande tanque de hidrogênio até a fronteira com a Coreia do Norte, a uma hora de distância. Lá, ele enche com o gás dezenas de balões, de sete e de 12 metros. As bexigas carregam rádios, notas de US$ 1, placas de memória de computador e dezenas de milhares de folhetos com mensagens que, diz Lee, vão desmascarar Kim Jong-un, o jovem líder do país vizinho:
– Meus folhetos são um veneno para o regime: ajudam os norte-coreanos a perceber suas mentiras.
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Flutuando de 3 mil a 5 mil metros acima do nível do mar, os balões de Lee cruzam a fronteira mais bem guardada do mundo, a uma altura suficiente para que os soldados norte-coreanos não tenham muita chance de abatê-los. Então, o "temporizador" de seus dispositivos patenteados é acionado, liberando a carga. Os folhetos caem como flocos de neve sobre o norte, onde Kim tenta manter seu povo sob um apagão total de informações, bloqueando a internet e prefixando rádios e TVs para que recebam apenas as transmissões cheias de propaganda de seu governo.
Quando Lee começou a enviar os balões, em 2005, e outros começaram a imitá-lo, recebeu o crédito – e a culpa – por reacender a batalha dos folhetos que os dois exércitos coreanos haviam travado, cessada com o fim da Guerra Fria. Desertor, ele prega que a melhor forma de reformar a Coreia do Norte e acabar com seu programa de armas nucleares é subvertendo o governo de Kim a partir do interior do país. E a maneira mais barata e segura de fazer isso seria infiltrando informações, incluindo DVDs repletos de programas da TV sul-coreana.
Com anos de negociações e sanções que não conseguiram parar o programa de armas nucleares da Coreia do Norte, os EUA e seus aliados começaram a prestar mais atenção à guerra de informação. Em janeiro, a Coreia do Sul reiniciou o uso de alto-falantes para enviar transmissões de propaganda aos berros ao outro lado da fronteira. Em setembro, Washington anunciou US$ 1,6 milhão para projetos que visam "promover o livre fluxo de informações para e dentro da Coreia do Norte".
Alguns desertores alegam ter fugido após ler folhetos, mas críticos dizem que isso faz pouco mais do que provocar Pyongyang. Em 2011, um homem foi preso, acusado de conspirar para assassinar um ativista dos balões a mando da Coreia do Norte. Em 2014, o Norte dirigiu seu fogo antiaéreo para o céu sul-coreano, tentando acertar um dos balões de Lee. Este ano, começou a usar as mesmas armas, enviando folhetos ao Sul dizendo que a presidente Park Geun-hye é uma víbora e uma prostituta.
Andrei Lankov, professor da Universida de Kookmin, em Seul, que cresceu na antiga União Soviética e estudou em uma universidade norte-coreana, estava cético sobre o impacto dessas ações:
– Um folheto não vai mudar a opinião de uma pessoa que é exposta a propaganda oficial diária. No entanto, seria um erro parar a campanha agora. Isso é o que as autoridades norte-coreanas exigem, e não é uma boa hora para mostrar fraqueza.
Lee evita confrontos com aldeões temerosos de retaliação militar, soltando seus balões longe das cidades. Ao contrário de ativistas extravagantes, que ridicularizaram Kim como "um lunático nuclear" e clamam aos norte-coreanos que derrubem o "porco sanguinário", Lee, em seus folhetos, lista, por exemplo, o número de carros e outros números da economia vastamente superior da Coreia do Sul. E pede que os norte-coreanos perguntem a coreanos que moram na China, que muitas vezes visitam o país, se esses números estão corretos.
Não há um estudo confiável sobre o número de norte-coreanos que leem os folhetos ou como reagem a eles. Escrevendo no site 38 North, Ruediger Frank, professor na Universidade de Viena que frequentemente visita a Coreia do Norte, alertou para o perigo da atribuição de muita importância aos relatos de desertores e grupos de direitos humanos sobre o descontentamento por lá, "criando assim a impressão de um levante iminente que só precisa de um empurrãozinho de fora para acontecer". Mas Lee disse que sua história é prova de que um folheto pode mudar a vida de um norte-coreano. Ele era biólogo de um instituto estatal de pesquisa agrícola, em 1990, quando pegou um folheto do Sul perto da fronteira. Fugiu em 1991 e, depois de viajar por China e Rússia, chegou ao Sul em 1995.
Hoje, enviar balões é seu trabalho em tempo integral. Ele financia sua operação com o dinheiro de palestras que dá em igrejas. Os cristãos também doam, pedindo-lhe para soltar pequenas Bíblias e comida no Norte. Um grupo japonês contribui, solicitando que envie folhetos na esperança de descobrir o paradeiro de japoneses raptados.
O guerreiro do balão disse que sua obsessão o fez negligenciar a família: a mulher sul-coreana, com quem se casou em 1996, pediu o divórcio. Hoje é casado com uma chinesa, que o apoia muito mais.
– Você precisa de um parceiro nesse trabalho. Não dá para saber quando o vento certo vai soprar, e sua mulher pode ser de grande ajuda quando você tem que sair correndo com os balões.