Provavelmente não é a primeira vez que você, caro leitor, tem contato com a frase do título – que, talvez, o tenha convocado a seguir lendo essas linhas. Apesar de tão corriqueira, a ponto de ser banal (aparece até em, sei lá, propaganda de sabão em pó), ela tem muita força: você, em alguma medida, se sente interpelado por ela. Talvez até já tenha procurado meios para ser mais você mesmo, buscando conselhos em livros de autoajuda ou com algum tipo de terapia. Difícil é ser totalmente indiferente a ela, como se "seja você mesmo" nada lhe dissesse respeito.
Se analisar esta curta frase, lembrando as aulas de gramática de tempos mais ou menos distantes, constatará que o verbo "ser" está no imperativo. O imperativo é um modo verbal que expressa uma vontade de quem a enuncia, como quando uma mãe diz ao filho "não fala de boca cheia!", ou quando a namorada, desconfiada do atraso da sua cara-metade, lança um "poupe-me das suas desculpas esfarrapadas!". Talvez lhe tenha passado despercebido que, tentando ser mais você mesmo, você obedece a um imperativo – enunciado em tão variados contextos que nem dá para saber quem, afinal de contas, nos exige que sejamos nós mesmos.
Caso decida refletir um pouco mais sobre essa expressão, talvez comece a ter algumas dúvidas, que podem até ser um pouco incômodas. Por exemplo: o que, afinal de contas, é ser você mesmo? Para respondê-la, provavelmente começará elencando uma série de elementos que o definem: seu nome, seu gênero, sua profissão, o time do coração, a ascendência e a descendência, seus gostos. Mas será isso suficiente? "Seja você mesmo" parece afirmar que você talvez não seja suficientemente você mesmo, que precisa prestar mais atenção às amarras invisíveis que devem estar lhe impedindo de ser você mesmo mesmo.
Será que você fez aquela escolha por você mesmo, ou por causa de outrem? Será que em seu trabalho e em sua vida amorosa realmente está em sintonia com sua essência? Se alguma vez – ou com frequência – se fez essas perguntas, você não está só: são angústias comuns em nossa época. Na falta de lugares estáveis na vida, como ocorre em sociedades tradicionais, cabe-nos a tarefa de darmos conta desse "eu mesmo". Isso tem suas vantagens: não somos condenados a ocupar um lugar pré-determinado, temos alguma liberdade de escolha. Por outro lado, traz também um peso: recai sobre cada um a tarefa de descobrir – sendo mais preciso, construir – quem se é.
O psicanalista Jacques Lacan, que pensou as vicissitudes do homem moderno a partir dos imperativos que o governam, destacou entre os ideais que nos condicionam o ideal de autenticidade. "Seja você mesmo" é uma tradução simples e direta desse ideal: temos que ser autênticos, iguais a nós mesmos o tempo todo. O impasse aí é que, ao levarmos esse imperativo ao pé da letra, não nos furtamos de manifestar-nos mesmo que isso possa ferir o outro, de ceder a nossos caprichos à revelia de suas implicações. Essas situações, nas quais prevalece a vontade individual a todo custo, se traduzem em sintomas contemporâneos como a agressividade, os excessos e o isolamento.
Levada ao extremo, a autenticidade do "si mesmo" é ensimesmada, solitária e destrutiva, pois desconsidera as renúncias necessárias ao convívio com o outro. Assim, viver apenas segundo esse ideal é incompatível com nossos justos anseios por uma sociedade menos violenta: se perseguimos apenas nossos interesses particulares, o choque com o outro será inevitável. O verdadeiro desafio, portanto, não é só "ser você mesmo": é buscar uma equação onde, na preocupação com nosso "si mesmo", haja lugar também para um enlace com os demais "si mesmos".
Paulo Gleich escreve mensalmente para o Caderno DOC.