"Se houver guerra civil, será exilado o cidadão que não tomar partido." Na Atenas de Sólon (150 anos antes de Péricles), não havia eleições, nem uma assembleia de cidadãos; Sólon a instituiu (em 594 a.C.), e viria a ser o órgão central da democracia ateniense, a eclésia. A evolução do regime inventou instituições que contemplavam rotatividade, sorteio e controle público, combateu a desigualdade e com isso ofereceu à humanidade a melhor referência de regime político, a isonomia, também chamada democracia. Ainda queremos conhecer, pensar, atualizar e praticar este modelo de regime político? Desejamos e podemos ponderá-lo com a história do mundo e do Brasil, assumi-lo, defendê-lo?
Em minha formação no Curso de História da UFRGS, nas aulas da profa. Dra. Helga I. L. Piccolo, aprendi que a verdadeira natureza do regime político brasileiro é a de uma oligarquia. A disputa entre capitalismo e comunismo, ou entre liberalismo ou socialismo (e outros), é secundária diante da permanência dos fundamentos incubados no Brasil colonial, reproduzidos e agravados na era imperial, mimetizados e expandidos desde 1889, com espasmos de saúde republicana e muitas esperanças e desencantos da classe média. Para piorar, a ilusão de prosperidade e segurança vinda da ditadura ainda alimenta estúpidos no desejo de retorno à autocracia, e no desdém à democracia. No andar de cima, bufões em trajes cafonas fingem crer que certa formalidade é prova de democracia, exatamente no ato em que a castigam e consumam a pior catástrofe de qualquer regime, a tomada do poder. Seguimos sendo Oligarquia Centralizada em Brasília, algo muito diferente de República Federativa do Brasil.
Esses dias, disse-me um motorista: "Não sei o que se passa, não me interessa, nem compreendo". Ele não era um dos milhões de brasileiros que ora sentem ultrajado seu direito de eleitores; parecia, sim, indiferente, e era um homem médio, em uma grande cidade, conversando com gente com eu. A regra de Sólon o exilaria. O voto ainda é obrigatório, mas pesquisas indicam que 80% dos brasileiros não sabem por que Dilma foi afastada, e percentual maior não lembra em quem votou nas últimas eleições. Isto não é uma nação, é um empório de ambições e ideologias em que um Estado débil é disputado sem pudor ou responsabilidade, e a base da opinião pública ainda é formada por uma massa incapaz de compreender e viver a política. Seguramente nos falta educação de base, aquela que oferece discernimento e responsabilidade para todos (pobres e ricos), e que permite que haja sensibilidade política independentemente da classe social. Não custa repetir: precisamos revolucionar a educação, abandonar cacoetes anacrônicos, inverter orçamentos públicos em prol da escola e dos recursos educacionais (museus, parques, rádio e TV, arte e cultura educativos) e esperar para ter frutos. Por ora e até lá, amargamos os frutos da ignorância e sabemos que as urnas ainda premiarão a insensatez, por anos, salvo lapso imprevisível da fortuna.
Hoje todos devemos sentir algo pela democracia brasileira; luto ou esperança (?), isto vem de um parto muito doloroso do qual a nação sai dividida e angustiada. Para piorar, eis a crise, que ora se agrava – e apenas maliciosos anunciam nova era econômica, quando crescem a inflação, o desemprego, a recessão, o endividamento, o descontrole dos gastos e a leniência com a corrupção. Será que a soma dos desafios não é maior do que o Brasil atual? Desculpem, leitores, eu bem queria falar de coisas lindas, mas acho que antes de nos erguermos das cinzas deste sacrifício teremos que reafirmar a democracia, se a queremos mesmo, e como faremos, pois como está, não deu, não dá, não dará.
* Francisco Marshall escreve mensalmente no Caderno DOC.