Luis Fernando Verissimo, que completa 80 anos e é celebrado neste caderno DOC especial, recentemente disse em entrevista à jornalista Sonia Racy que é "um esquerdista desiludido". Proponho, então, um duplo brinde ao Verissimo: um pelo seu aniversário, outro pela sua desilusão. Realmente, o que de melhor pode nos acontecer em matéria de política é não nos iludirmos. Se Verissimo fosse um liberal – ou neoliberal, como a imprensa brasileira chama aqueles que acreditam em administração racional da coisa pública e na finitude do dinheiro alheio – e se dissesse um "desiludido", eu brindaria também a essa desilusão. Conservadores iludidos, em tempos de militância política nas redes sociais, temos aos montes: é ameaça do comunismo para cá, volta da monarquia para lá – e a realidade, coitada, parece uma refugiada sem Angela Merkel que a acolha. Social-democratas que não desistem da ilusão da mediania governamental, bem, temos ao menos um, o Sergius Gonzaga, mas aqui em São Paulo (ao menos no meu bairro) ainda chamam alguns tucanos assim, "social-democratas", como aparece por extenso no nome do partido deles – e muitos seguem iludidos, aliás.
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Talvez desse um bom brinde em alguma conto ou crônica: socialistas e liberais, desenganai-vos! Conservadores e social-democratas, desiludi-vos! Deixo, contudo, para alguém com a verve humorística e a competência literária do Verissimo a hipótese ficcional a ser testada. Eu, humildemente, volto ao ponto das ideias políticas, que é o que me interessa: não seria, de fato, melhor, se não nos deixássemos levar por ilusões políticas e ideológicas?
Parece-me claro que sim, e nisso não vai nenhuma incompatibilidade com o fato de que muitos de nós nutrimos convicções políticas mais ou menos fortes e estamos dispostos a defendê-las enfaticamente. Podemos defender de maneira vigorosa os valores da liberdade individual e do combate à pobreza, por exemplo, sem, no entanto, aderir a uma narrativa completa e fechada dos fatos da vida humana que exclua a relevância e a verdade de outros valores que não estão, de momento, no centro de nossas ideias políticas. Ideologias são, entre outras coisas, narrativas fechadas desse tipo: todas as explicações estão dadas, todos os males são identificados e todas as soluções são inequívocas. Se nos deixamos iludir por ideologias completas assim, então será difícil manter qualquer sombra de convicção pluralista: afinal, se somos detentores da Verdade acerca dos assuntos humanos, é nosso dever descartar valores que lhes sejam concorrentes – e isso pode ocorrer tanto quando nos fechamos em uma bolha de ideias, lendo apenas artigos e matérias que confirmem nossas posições, ou pode se dar de forma mais dramática, como nas matanças e nos extermínios de grupos políticos rivais que ocorrem em sociedades em que a civilidade mínima degenerou.
Abrir mão de ilusões políticas e ideológicas não é abrir mão de convicções. Antes, é abandonar falsificações das realidades acerca dais quais temos convicções. Que sobrem, portanto, ao Verissimo e a todos nós, convicções as mais plurais e variadas. Mas que tal trocarmos as ilusões por um saudável ceticismo político, ingrediente mais que bem-vindo ao exercício crítico de que o Brasil tanto precisa?