Em 1954, o filósofo Leo Strauss realizou um ciclo de palestras na Universidade Hebraica de Jerusalém sobre a natureza da filosofia política. Na primeira conferência, explicou o autor em que consiste: ação política. Diz ele que "toda ação política almeja a conservação ou a mudança. Quando desejamos conservar, queremos evitar uma mudança para pior; quando desejamos mudar, queremos criar algo melhor. Toda ação política é, portanto, guiada por algum pensamento acerca do melhor e do pior". As palavras de Strauss, que o leitor pode conferir em Uma Introdução à Filosofia Política – Dez Ensaios (É Realizações), parecem se dirigir diretamente aos gaúchos nestes difíceis tempos de salários atrasados e parcelados, de violência generalizada e fora de controle, de aparente falência das estruturas administrativas do Estado.
Afinal, o que a sociedade gaúcha gostaria de conservar, de preservar no atual estado de coisas? Que mudanças os gaúchos avaliam que trarão melhorias? A sociedade gaúcha quer conservar o atual modelo de Estado ou ela prefere mudar? O debate em torno dessas questões envolve uma concepção mais geral do tipo de sociedade que os gaúchos desejam. Esse desejo deve ser expresso sob a forma de um consenso político. Há consensos fáceis de se obter em política – ninguém é a favor de atrasar os salários dos funcionários do Estado, por exemplo. Outros consensos, no entanto, são mais difíceis: quando o Estado não consegue pagar seus policiais, que têm a difícil tarefa de garantir a segurança dos cidadãos, faz sentido ufanar-se de ter um banco estatal?
O caso Banrisul ilustra perfeitamente o impasse atual. Os funcionários públicos gaúchos recebem seus salários com atraso e parcelados; mas suas contas seguem indiferentes às dificuldades do governo; os funcionários, que são forçados à condição de correntistas (não têm escolha), entram no cheque especial ou atrasam pagamentos. Moral da história: o banco estatal, "patrimônio de todos os gaúchos", lucra com as agruras financeiras do funcionário-correntista – agruras geradas pelo Estado! E, mesmo assim, não serão poucos os funcionários públicos que considerarão a privatização do Banrisul uma espécie de "crime" contra os gaúchos.
Caberia ao governo liderar a sociedade em torno de um projeto de modernização da estrutura do Estado: o que é prioridade, o que funcionaria melhor em parceria com a iniciativa privada, como as OS's –- pensem na fabulosa Osesp de São Paulo, ou nas charter schools, defendidas por Obama nos EUA. O Estado tem, aliás, uma lei de contratualização, aprovada em 2008, que permite isso. Lamentavelmente, a atual gestão, mesmo tendo sido eleita com mais de 20% de vantagem sobre o seu adversário estatista e irresponsável, parece estar emperrada em "estudos" sobre o tema: em 20 meses, foram diversas as matérias em que porta-vozes do governo evocaram "estudos" sobre privatizações e extinções de órgãos públicos (leiam emzhora.co/fundacoes e zhora.co/extinguefunde). A declaração do secretário Carlos Búrigo no programa Gaúcha atualidade (23/8) de que a sociedade precisa "ocupar as galerias da Assembleia" para mostrar que os grupos minoritários e barulhentos que se opõem às privatizações não vão ganhar essa disputa parece mostrar que o problema não está na falta de estudos ou de convicção, mas na incapacidade de liderança. Certo, a sociedade deve participar do processo. Mas que tal se o governo eleito e empossado há mais de 20 meses mostrar que não tem medo de minorias histriônicas e ultrapassadas?
*Eduardo Wolf escreve mensalmente no Caderno DOC.