Se "trator" foi um dos assuntos mais comentados dentro do estádio Beira-Rio neste domingo de Gre-Nal, era, na verdade, uma outra equipe trabalhando ainda mais próximo da orla do Guaíba que precisava de um:
– A gente queria um trator, ou qualquer coisa que fosse, para tirar os objetos mais pesados – lamenta Ariane Hauck, 20, anos, ao deparar com um sofá e uma TV soterrados por areia a 2 metros das águas do rio.
A estudante de Publicidade e Propaganda acompanhava a ação de outros dois voluntários que tentavam desenterrar os objetos pesados sem ajuda de qualquer maquinaria. Eles e cerca de outras 20 pessoas doaram seu domingo ensolarado para o mutirão de limpeza no Guaíba organizado pelo grupo Viva Guaíba, marcado para as 14h. Enquanto a maioria dos porto-alegrenses ainda comentava o jogo de futebol, eles se indignavam com o descaso em relação ao cartão postal da cidade.
O tempo firme colaborou, mas a temperatura digna de uma tarde de verão tornou a tarefa ainda mais árdua. Logo que começaram pela primeira faixa de areia, que não deveria ter mais de 15 metros de extensão, a equipe encontrou sapatos, brinquedos, mochilas, sacolas de lixo, um colchão, ferro de passar roupas, muito papel e plástico.
Veja na galeria mais fotos da ação:
Para quem caminhava ou andava de skate na calçada da Avenida Beira-Rio, as sacolas de lixo azuis chamavam atenção em meio ao gramado verde da orla. O lixo na beira da água, comentam os voluntários, acaba se torna invisível para quem visita o Guaíba apenas no final de semana.
O depósito de resíduos que se acumula na beira do rio é assustador mesmo para quem já é acostumado com ações como essa.
– Tem uma sapataria aqui! – diz João Carlos Vargas Junior, de 42 anos, referindo-se à quantidade e variedade de calçados atirados pela areia malcheirosa.
Com o apoio de um amigo, o corretor de imóveis, no início deste ano, coletou cerca de 300 kg de resíduos como tapetes, colchões, lonas e sacolas plásticas que estavam próximos ao Barra Shopping Sul. Há mais de 10 anos, João realiza limpezas pela Zona Sul da cidade.
– Dá prazer de retirar essas coisas, como o plástico, antes que fique para sempre para baixo da terra – comenta.
Uma sacola como a que ele desenterrrou pode levar centenas de anos – até 500 – para se decompor.
O grupo Viva Guaíba acolhia quem quisesse se voluntariar para a atividade ali mesmo. Com uma barraca montada em meio ao canteiro da Avenida Beira-Rio, em frente à pista de skate do Marinha, quem chegava com vontade de ajudar, recebia um pouco d'água, luvas e um saco de lixo. Cerca de 100 sacos de lixo com capacidade para 50 litros foram levados para o mutirão. Em duas horas, todos estavam cheios. O grupo estima que foram coletadas três toneladas de lixo. No final, uma ligação para o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) para recolher as sacolas encerraria a ação.
– O Guaíba recebe 93 vezes o seu volume de lixo por ano. Essa ação é uma forma simbólica de diminuir um pouco do lixo em volta do Guaíba e de chamarmos atenção da população para o que acontece com o nosso rio – afirma Luciene Schuch, 62 anos, e fundadora do Viva Guaíba.
A intenção é que mutirões como esse – o primeiro organizado pelo grupo – aconteçam a cada dois meses. Pela página do Facebook, interessados podem acompanhar as datas das próximas ações. Enquanto isso, os voluntários ficam torcendo para que a população e o poder público não se voltem para o Guaíba apenas para se gabar sobre o belo pôr-do-sol.