"Considero-me um europeu porque sou herdeiro da fé cristã, do direito romano e da civilização europeia." Com essas palavras, o filósofo conservador britânico Roger Scruton defendia a razoabilidade da posição dos que queriam que o Reino Unido deixasse a União Europeia (UE), uma decisão tomada no referendo do dia 23 de junho. E elas vão bastante diretamente ao ponto: não é verdade que ser europeu é equivalente a (apenas) ser membro da União Europeia, pois o inteiro edifício moral, político, científico e artístico da civilização europeia é a Europa.
Vistas as coisas assim, a tese de que o Brexit mostra o Reino Unido abandonando a Europa perde força. Não apenas a Inglaterra fez objetivamente mais do que qualquer outra nação no continente em defesa da democracia, da liberdade e dos mais altos valores gestados pela civilização europeia, como nada indica que o país abandonará as instituições e os ideias que o formaram e que informam, até hoje, o que há de melhor na Europa – o império da lei, a democracia representativa constitucional, as garantias das liberdades individuais.
Resta, no entanto, uma questão mais complexa a ser respondida: que boas razões os conservadores tinham para defender o Brexit e como avaliar seus resultados concretos? Parece-me que a primeira coisa a esclarecer é que a disputa não foi entre conservadores e progressistas, borrando as fronteiras partidárias da disputa: o primeiro-ministro David Cameron (Conservador) e o líder da oposição, Jeremy Corbin (Trabalhista), comandaram a campanha pela permanência do país na UE, e o ex-prefeito conservador de Londres, Boris Johnson, foi, ao lado de lideranças trabalhistas como a deputada Gisela Stuart, a voz do Brexit.
O fato é que os bons argumentos em defesa do Brexit não são nacionalistas ou tacanhos: a UE é hoje um poder burocrático e não eleito que determina aspectos muito específicos da vida dos cidadãos dos países membros; a Inglaterra, tendo seu direito tradicionalmente fundado na Common Law, sofre de maneira ainda mais sensível com essas imposições de cima para baixo; o fluxo migratório para o país, geograficamente diminuto e culturalmente muito procurado por causa da língua e da tolerância, causa grandes distorções econômicas. São alguns dos argumentos de Scruton em favor da saída. Ocorre que a campanha de Johnson não foi conduzida com a honestidade intelectual e política de Scruton, mas com arroubos populistas, fazendo promessas inatingíveis, e flertes com a extrema-direita, insuflando o racismo e a xenofobia. Ao prometer livre acesso ao mercado comum sem a livre circulação de pessoas, ou a transição suave sem prejuízos econômicos aos britânicos, Boris Johnson mentiu flagrantemente a seus compatriotas, causando um estrago que pode resultar em longa recessão econômica, fragmentação do Reino Unido e esfacelamento dos partidos.
Avaliadas as circunstâncias, terá sido essa a decisão prudente, moderada e refletida que o conservadorismo esclarecido diz defender? Penso que não. Na verdade, o Brexit foi a decisão mais imprudente, mais irrefletida e mais fundada em abstrações que um líder conservador britânico jamais impôs ao povo de sua nação. A imagem de Boris Johnson na manhã da vitória indica que ele sabia disso: era o retrato de um derrotado.
*Eduardo Wolf escreve mensalmente no Caderno DOC.