Alfredo Jerusalinsky
Psicanalista Membro da APPOA e da Association Lacaniènne Internationale. Doutor em Psicologia da Educação e Desenvolvimento Humano - USP
Diana Jerusalinsky
Neurocientista. Doutora em Ciencias Biológica pela Universidade Nacional de Buenos Aires. Head Professore Bolsa Guggenheim. Cabeça de Laboratório de Neuroplasticidade e Neurotoxinas - UBA/CNPQ
Onde fica o Inconsciente? A pergunta que abre este texto está mal formulada. E, nas ciências, quando uma pergunta é mal formulada, conduz, inevitavelmente, a conclusões erradas. Mal formulada porque o inconsciente, como a consciência, não fica em um determinado lugar do cérebro. É resultante da função do cérebro no seu conjunto, organizado pela linguagem. Salvo, é claro, os automatismos que governam, por exemplo, o ritmo respiratório, os processos metabólicos, a temperatura corporal, as sinergias neuromusculares, os batimentos cardíacos. Embora esses também sofram alterações quando o sujeito percebe ou evoca objetos, situações, acontecimentos que o perturbam.
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Quando um homem cruza o olhar com uma desconhecida no metrô e seus batimentos cardíacos se aceleram, sabe que essa mulher significa algo diferente para ele, embora não saiba o que e por quê. Traços dela que evocam experiências de satisfação ou insatisfação configuraram significados imaginários que podem mudar o curso de sua vida assim como, nesse instante, mudaram seu metabolismo. Isso opera a nível inconsciente. O inconsciente não está nos olhos que miram nem no córtex occipital que recebe o estímulo óptico, nem sequer no coração acelerado, mas na rede de significações que tal percepção dispara.
A memória genética de comportamentos adaptativos que o Homo sapiens herdou na evolução das espécies mostrou-se insuficiente para assegurar a sobrevivência. Por isso, foi necessária a invenção de um sistema de memória externo ao organismo: a linguagem. Não foi uma mutação espontânea que criou as palavras, mas foram as palavras necessárias que selecionaram mutações, moldando nosso cérebro, tornando-o sensível e permeável às palavras, numa das expressões do que hoje chamamos de plasticidade. Pesquisas que vão de Terrence Deacon (premiado neuroantropólogo britânico) a Eric Kandel (Prêmio Nobel de Medicina em 2000) oferecem fundamentação científica a essa tese.
Sigmund Freud antecipou-se em 100 anos aos recentes achados das neurociências, fazendo a crítica do dualismo "mente-corpo" e oferecendo os instrumentos de clínica e pesquisa que permitiram compreender por que as experiências infantis têm o poder de moldar nosso psiquismo e o quanto elas são responsáveis pelo caráter traumático que podem assumir as experiências da vida adulta. Tal poder consiste na plasticidade com que nosso cérebro recebe, guarda e permite funcionar as configurações complexas que a linguagem lhe impõe.
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Enquanto a psicanálise se ocupa em decifrar essas configurações complexas, tanto para compreender a criatividade e a dinâmica dos desejos humanos quanto para intervir clinicamente no campo da saúde mental, as neurociências avançam na descoberta dos mecanismos sistêmicos, celulares e moleculares que veiculam as transformações provocadas pelo campo da palavra. A resultante dessas duas vias de pesquisa não somente tem humanizado o tratamento das doenças mentais, mas também tem confirmado o que a psicanálise antecipou nas descobertas que a experiência clínica lhe ensinou.
Os 100 bilhões de neurônios do cérebro humano, com mais sinapses do que estrelas na galáxia, se organizam em diversos níveis: tissular, órgão, sistema. Mas há uma organização superior cujo funcionamento ainda desconhecemos. Supõe-se que reside na configuração de circuitos neuronais, incluindo também células não neuronais do tecido nervoso, que podem se modificar constantemente, estabelecer "esquemas" com memórias simples que se conectariam com outros milhares de "esquemas" para dar lugar a associações mais complexas como o pensamento, a linguagem, a consciência, o inconsciente. Ou seja: funções que se desenvolvem em cada um configurando um cérebro único.
Por isso nos surpreende que um mestre dos estudos sobre a memória como o Dr. Iván Izquierdo diga que "a psicanálise foi superada pelos estudos das neurociências, é coisa de quando não tínhamos condições de fazer testes, ver o que acontecia no cérebro". Quais seriam os testes que nos permitiriam "ver" como se formam a linguagem, o pensamento simbólico, o desejo, o prazer, as identificações, a filiação simbólica, a representação do futuro, os laços sociais, o amor e o ódio, a racionalidade, a culpa, a consciência moral, os sonhos, os ideais, os devaneios, os delírios, as escolhas de destino? E ainda, se as pudéssemos ver, essas formações que chamamos "do inconsciente", se configuram por um automatismo biológico espontâneo ou pela inscrição que no cérebro produzem os pais do pequeno sujeito em formação? François Ansermet (psicanalista, professor de Psiquiatria da Universidade de Lausane) e Pierre Magistretti (neurocientista, presidente da International Brain Research Organization) no seu livro A cada um seu cérebro (2004), oferecem uma resposta: "Uma biologia do inconsciente e da pulsão é hoje possível graças aos avanços recentes das neurociências". Um avanço capaz de "oferecer ao mesmo tempo à psicanálise as verificações da biologia que Freud esperava já há algumas décadas, e às neurociências, um novo acesso às questões específicas do campo de exploração que habilita a hipótese do inconsciente". Trata-se, então, não de "superar", mas de conjugar os respectivos saberes: do devir de cada sujeito e do devir de cada cérebro.