O que motiva jovens muçulmanos de cidades europeias a se radicalizarem, viajarem para a Síria e o Iraque, integrarem-se às hordas do Estado Islâmico para um dia voltar pra casa e cometer atentados suicidas? A pergunta, que intriga políticos e agentes de inteligência mundo afora, é parte da solução para o problema do terrorismo no século 21, na opinião do pesquisador egípcio Mohamed Arafa. Das periferias de Bruxelas, por exemplo, saíram terroristas que cometeram atentados como os de Paris, em novembro, e da própria capital belga, em março. Professor de Direito Criminal da Universidade de Alexandria, no Egito, e de Direito Islâmico na Robert H. McKinney School of Law, da Universidade de Indiana (EUA), Arafa esteve em Porto Alegre para palestras em cursos de Relações Internacionais na PUCRS e na UFRGS. Na entrevista a seguir, ele fala sobre os desafios do radicalismo, a islamofobia e como derrotar o Estado Islâmico.
Atentados como os de Paris e Bruxelas significam que o Estado Islâmico transferiu o front da guerra para a Europa?
Todos esses grupos (extremistas) têm a mesma ideologia, uma visão muito restrita da religião. Os muçulmanos, em geral, condenam ataques como os de Paris, em novembro, contra o Charlie Hebdo, ou contra cristãos em Lahore, enquanto celebravam a Páscoa. A maioria dos muçulmanos acredita na fé cristã ou na fé judaica, porque, se você não acredita nesses credos, você não é considerado um muçulmano. É parte da fé islâmica acreditar nos livros cristãos, na Bíblia, ou na Torá judaica. Mas muitos desses grupos extremistas tentam manipular ou explorar a interpretação do Alcorão. O termo jihad, por exemplo, significa que você tem de fazer algo bom para toda a sua comunidade. Estudar profundamente significa fazer uma jihad. A maioria no Ocidente pensa que jihad significa lutar contra os que não acreditam no Islã. Não é verdade.
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É estratégia do EI fazer com que os europeus pensem que cada refugiado é um terrorista?
Pode ser. Mas não penso que os governos europeus vão aceitar esse tipo de estratégia. Esses governos sabem diferenciar quem é ou não terrorista. Há um milhão de refugiados na Europa, islâmicos, que chegaram à Alemanha, Holanda, Itália e não têm ligação com o terrorismo. Algo preocupante está acontecendo na campanha eleitoral americana. Donald Trump, caso se torne presidente, promete banir os muçulmanos. É uma visão radical, extremista. Ted Cruz não disse isso diretamente. Mas Donald Trump disse.
O que países como França e Bélgica podem fazer para evitar que o discurso do Estado Islâmico atraia os jovens?
Os governos europeus, especificamente Bélgica e França, têm de focar na questão social e na educação dessas pessoas. É preciso olhar a raiz do problema. Questionar por que temos esse tipo de terrorismo? A pobreza é uma das causas. Outras são violações de direitos humanos e desemprego.
Esses jovens não se sentem inseridos na sociedade europeia.
É um problema não só na Europa. No Oriente Médio, está espraiado por vários países. Você vê pobreza, desemprego, governos ditatoriais, violações de direitos humanos. Esses governos não têm que focar apenas na questão da segurança. Sobre os jovens, os governos da Europa, dos EUA e até da América Latina precisam aprender como conversar com essas pessoas. Olhar os problemas, por que os jovens estão se engajando nesses grupos extremistas? Seria bom que se fizesse isso. E não se pode discriminar os jovens muçulmanos, falar em direitos humanos no Oriente Médio se você tem o caso da França, por exemplo, que proibiu mulheres islâmicas de usarem o véu.
Como acabar com o Estado Islâmico?
Não se trata apenas de um problema para o Ocidente, mas todo o mundo precisa se unir para derrotar esses grupos. Em algumas situações, as principais vítimas são muçulmanos. Veja o caso da Irmandade Muçulmana no Egito. Eles têm matado muçulmanos. Se alguém não segue a ideologia deles, eles não distinguem muçulmanos de não muçulmanos. Os governos precisam escutar cuidadosamente os problemas das pessoas, especificamente nos regimes posteriores à Primavera Árabe. O mundo precisa não apenas se preocupar em aumentar a segurança. Precisa resolver problemas como pobreza, desemprego, garantir o exercício da liberdade de expressão para todas as religiões. Só bombas não estão funcionando.
Qual foi o principal erro dos EUA no Oriente Médio depois da Guerra do Iraque? Eles não perceberam a ascensão do EI?
O principal erro foi apenas um: apoiar regimes ditatoriais no Oriente Médio. A consequência disso foi o nascimento do Estado Islâmico. Apoiar regimes ditatoriais significa violação de direitos humanos, tortura, pobreza, carência de educação, falta de liberdade de expressão. Isso levou à implosão de regimes, foi o que vimos na Primavera Árabe, na Tunísia, na Líbia, na Síria, no Iêmen. O grande erro foi dos EUA terem apoiado Mubarak (Hosni Mubarak, ditador egípcio) por 30 anos ou Kadafi (Muamar Kadafi, ditador líbio) por 40 anos.