O pressuposto da teoria da comunicação é que haja a possibilidade de se comunicar. Para isto, os agentes da comunicação precisam estar de acordo sobre as referências fundamentais: o código de sinais, o idioma, os vocabulários, as imagens e os símbolos. Como pontifica Umberto Eco, é preciso dicionários e enciclopédias que deem significado e sentido a palavras e sentenças. É preciso também a intenção de se comunicar, e tanto melhor se a finalidade da comunicação for o entendimento. Sabemos que é possível excelente comunicação, e também o desastre que é sua ausência: o litígio, a guerra, o trauma.
Diante disto, coloca-se a pergunta: por que as pessoas e as comunidades não se entendem? O que impede que as pessoas se comuniquem e identifiquem o que é razoável, a partir de critérios reconhecidos? Será a ideia de bem comum uma fantasia política, delírio de Poliana? Ou será que não conseguimos nos comunicar adequadamente, e sucumbimos antes de estabelecer concórdia? Faltam ferramentas ou intenções positivas?
Preocupado com a relação entre comunicação, sociedade e política, o filósofo alemão Jürgen Habermas escreveu a Teoria da Ação Comunicativa (1981), peça central de um movimento racionalista cuja finalidade é o esclarecimento construtivo dos cenários de comunicação (mundo da vida), para a realização do bem comum construído na prática social. Esta tese é particularmente cara a sociedades com alto grau de formalidade e eficiência contratual, como a pátria de Habermas e muitas nações contemporâneas. Já o historiador e sociólogo norte-americano Richard Sennett aposta em zonas de ambiguidade na comunicação, que permitam pressões, trocas e variações com as quais se incluem mais agentes no processo (Juntos, 2012). De um lado, a autoridade racionalizadora, normativa, de outro, a comunicabilidade orgânica, valiosa para a sociedade que avança em redefinições. É possível, parece, que todos convivam e sejam felizes obedecendo às leis de trânsito, desde que todos as reconheçam (inclusive as autoridades). Pouco importa para onde vão e o que farão os indivíduos, contanto que todos possam desfrutar de caminhos, e que um bem nascido não goze de avenida privativa enquanto o pobre só enfrente filas infindáveis.
Se o bem comum pode ser assim examinado, onde está sua crise? Duas forças poderosas se antepõem: egoísmo e violência. Em ambientes atravessados pela violência, a comunicação tende a se tornar difícil, opaca, a ponto de impedir o diálogo e dar lugar a agressões. Neste caso, predominam o encerramento narcísico e a ausência de empatia, a capacidade humana de se compreender o outro. A cada medida de violência no plano social corresponde um abalo na possibilidade de nos comunicar. A iniquidade social é fonte de alienação que mina o diálogo e fermenta mais violências. A sabotagem da comunicação é outro veneno terrível, fruto do erro egoísta e da ambição desmedida de poder.
A democracia grega visava a aplacar a violência entre ricos e pobres, a equalizar a vida pública com regras confiáveis, e a permitir que pelo debate se chegasse à melhor decisão. Estamos neste país há meses (ou séculos?) em lutas que beiram a guerra civil e em evoluções que pioram a cada dia e agravam a violência. Antes que cheguemos a novos conflitos, temos que nos comunicar visando ao bem comum, pois a democracia não é a vitória do mais forte, e sim a produção coletiva da melhor solução. E se tivermos que escolher entre diferentes caminhos, que nos sirva o favor das urnas, e saibamos honrá-las acima de ambições e rancores.
* Francisco Marshall escreve mensalmente no Caderno DOC.