Gérard Vergnaud, 83 anos, é um dos mais respeitados pensadores contemporâneos a se debruçar sobre como ensinar matemática de modo criativo e eficiente a crianças e adolescentes. Matemático com formação em filosofia e psicologia (tendo estudado em Genebra sob a orientação de Jean Piaget), Vergnaud dedicou o trabalho de uma vida a tentar entender os mecanismos que levam ao aprendizado da matemática e como fazê-la deixar de ser o terror dos estudantes. Professor emérito do Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris, Vergnaud esteve em Porto Alegre para celebrar os 80 anos de sua aluna Esther Grossi. Nesta entrevista, ele afirma que a chave para ensinar matemática está em propor desafios concretos ao estudante.
Por que ensinar matemática é tão difícil?
Não é tão difícil ensinar matemática no nível dos anos iniciais ou no Ensino Fundamental. A dificuldade maior é na idade entre 11 e 12 anos, quando começamos a apresentar coisas como álgebra e geometria. Temos problemas no Ensino Fundamental, mas de outra natureza, porque os professores não lidam bem com a tarefa de apresentar o raciocínio matemático que há por trás da matéria. Trabalham mais o sistema de numeração, adição, subtração e multiplicação, mas não veem o raciocínio matemático por trás das operações.
Numa sala com muitos alunos, muitas vezes alunos de aprendizagem mais lenta seguram ou entediam os de aprendizado mais rápido. Como resolver esse impasse no ensino diário?
É verdadeiramente um problema, mas é difícil ensinar matemática até para os melhores alunos. Porque não estamos falando só de aprender a resolver problemas, mas do fato de que há por trás toda uma conceptualização fina para poder enfrentar as situações e conseguir resolvê-las com um raciocínio pleno. Mas pode acontecer de um bom aluno de repente passar a odiar a matemática, porque a disciplina se torna cheia de formalidade. E, ao contrário, pode acontecer de um mau aluno não ter sucesso na matemática e, de repente, por ter sido apresentado a situações que possam afetá-lo, e por começar a compreender o que está acontecendo, passar a gostar e a desenvolver competências muito finas que surpreendem aos professores e aos outros alunos. Ensinar matemática é dar sentido à ciência, é propor situações concretas que tenham significado para os alunos.
Poderia dar um exemplo?
Fizemos um trabalho com alunos do ensino profissionalizante sobre toda a matemática das fundações de uma casa. Seria preciso calcular volume, custo de cimento, areia, brita, além de poder comparar esse preço em várias empresas que oferecem serviços diferentes. Tudo isso envolve conhecimentos matemáticos aplicados no cotidiano.
Ou seja, o senhor está apresentando alternativas que exigem professores preparados e criativos. Acha que os há em número suficiente?
Em primeiro lugar, um bom professor de matemática conhece matemática. Mas é preciso também saber encontrar situações cotidianas que envolvam o aluno. Eles precisam agir, atuar, e não podemos propor só a matemática formal, temos que apresentar situações concretas. O resultado é que a função de professor não é fácil. E as coisas não mudam tão rapidamente quanto a gente esperaria. Temos que esperar um certo tempo para poder ver os resultados dessa revolução. Se formos olhar aqui no Brasil, onde já participei de diversas atividades em escolas de verão de matemática, tanto em Recife como em São Paulo, há uma vontade de fazer evoluir o ensino, mas ela não é suficiente, tem de evoluir também a formação dos professores, o que só se consegue a pequenos passos.
Em sua opinião, qual é o papel nessa discussão de uma política salarial para o magistério?
É verdade que os professores não são suficientemente remunerados em relação à sua importância. Tanto aqui no Brasil, pelo que me informaram, quanto na França, em que a remuneração é baixa em comparação com a Inglaterra ou com a Alemanha. Mas não é só esse o problema. Para que possa haver mudanças na formação do professor, é preciso envolvê-lo nessa necessidade de transformação. É preciso formar colegiados de professores e pesquisadores que pensem sobre as práticas de formação. Não é só questão de remuneração ou de leis e diretrizes, deve haver engajamento e militância. No passado, bons alunos de matemática, física e outras disciplinas mais tecnológicas, tornavam-se professores de matemática, de física e de tecnologia. Hoje, esses alunos não se voltam para o ensino, e sim para profissões melhor remuneradas, como computação.
Há alguns anos, Stephen Hawking provocou polêmica ao declarar que se investe demais nas Ciências Humanas, quando o importante seriam a matemática e a física. O que pensa disso?
É uma afirmação exagerada. As ciências físicas e matemáticas são importantes, mas as humanidades são essenciais para entender o mundo de hoje. É uma grande infelicidade que cientistas das chamadas "ciências duras" considerem as humanidades como "bobagens". Na França, muitos matemáticos adotam essa visão, e é por isso que temos muitos problemas no ensino da matemática, porque eles não se apoiam nas humanidades para ter uma análise fina das situações e ajudar na pedagogia.