A prefeitura de Porto Alegre mantém duas usinas para produção de asfalto, nos bairros Sarandi e Restinga. Todos os dias, nove caminhões com caçambas térmicas saem carregados dessas fábricas e percorrem a cidade para tapar buracos. São ao todo 14 equipes da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) envolvidos no trabalho de recauchutar vias da Capital, preenchendo-as com cerca de 100 toneladas de asfalto diariamente.
Desde a sexta-feira, essa gigantesca engrenagem está paralisada. O motivo é a falta de matéria-prima, que deixou de ser fornecida pela Petrobras. As usinas da prefeitura estão sem receber cimento asfáltico de petróleo (CAP), componente fundamental para a produção do asfalto, desde o mês passado. O problema não está restrito ao município de Porto Alegre. Outras usinas no Estado também estão paradas.
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No Rio Grande do Sul, a produção do CAP fica a cargo da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), de Canoas. A informação que chegou aos agentes públicos e empresários do setor é de que a refinaria gaúcha teria interrompido a produção, como consequência de um acidente ocorrido em 7 de abril nas monoboias do terminal de Tramandaí, o que estaria impedindo o bombeamento de petróleo do Litoral para Canoas.
A Petrobras, que se pronunciou apenas por nota divulgada nesta semana, afirma que a interrupção não foi total e aponta outra causa: "Devido às constantes condições climáticas adversas, o fornecimento marítimo de petróleo para a Refinaria Alberto Pasqualini sofreu diversas interrupções, levando à redução da produção de produtos asfálticos pela unidade".
O CAP é o resíduo que sobra do refino de petróleo e é utilizado para ligar os materiais usados na fabricação do asfalto (brita, areia e pó de pedra). Sem ele, não há produção. Nas usinas da Capital, são utilizadas de 125 a 150 toneladas do material a cada mês. Segundo o secretário municipal de Obras e Viação, Rafael Fleck, o fornecimento foi mantido pela Refap até meados de abril. Depois, parou. Na sexta-feira, o estoque mantido pelas usinas chegou ao fim.
De acordo com a prefeitura, a Petrobras havia prometido regularizar o fornecimento na segunda-feira, mas agora postergou o prazo para junho.
– Para nós, foi uma surpresa. Se a Petrobras tivesse informado antes, teríamos providenciado mais cedo um outro pregão para obter o produto – afirma Fleck.
Segundo o secretário, o impacto se dá não apenas no serviço de tapa-buracos, mas também nas operações de outros órgãos municipais, como o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) e o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP). Mas o impacto mais perceptível é mesmo a multiplicação da buraqueira nas ruas.
– De segunda a quarta-feira, são 300 toneladas de asfalto que deixamos de colocar – afirma.
Em atendimento à legislação, a Refap tornou-se fornecedora da prefeitura ao vencer um pregão público. Ela fornece cada carga de 25 mil quilos de CAP por R$ 47 mil. Na quarta-feira, a Smov iniciou o procedimento para um pregão emergencial, que deve levar à aquisição do CAP junto à Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), do Paraná, por R$ 12 mil a mais por carregamento. A expectativa é de ter a matéria-prima à disposição na próxima semana.
A Smov também notificou a Refap, solicitando esclarecimentos. Conforme a resposta, penalidades podem ser aplicadas. A legislação prevê desde a suspensão temporária do contrato até a exclusão da refinaria de licitações futuras.
Na curta nota que divulgou sobre o tema, a Petrobras afirma que "está trabalhando, em conjunto com as distribuidoras de asfalto, alternativas para manter o mercado devidamente atendido".
Problema refletido também nas rodovias
Dono de uma usina que fornece asfalto para prefeituras e para o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), o engenheiro Emidio Ferreira mantém 24 funcionários de braços cruzados há 15 dias, em Santo Antônio da Patrulha. Sua fábrica, com capacidade para produzir de 300 a 400 toneladas por dia, deixou de ser abastecida pela Petrobras. A estatal anunciou normalizar o serviço na segunda, mas não cumpriu a promessa.
Aposentado de cargos como diretor de conservação da Smov e de professor da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e da Universidade de Passo Fundo (UPF), Ferreira trabalha há 42 anos com asfalto. E formou uma visão amarga da Petrobras.
– A situação é um absurdo. A empresa tem o monopólio da produção, mas não nos atende. E como tem o monopólio, não podemos comprar de outra. Portugal, que é um país pequenino, tem cinco produtores. No Brasil, que é gigantesco, é só a Petrobras. Nosso país só vai começar a melhorar quando os direitos e deveres do setor público forem iguais aos do setor privado.
O engenheiro afirma que o monopólio se traduz em preço alto e entregas erráticas, mas não só nisso. Ele acrescenta que a qualidade do produto é ruim, o que ajuda a explicar o esfarelamento das ruas e estradas brasileiras.
– O meu problema não é só preço. Sou do tempo em que o asfalto durava 20 anos. Se for olhar a Avenida Princesa Isabel, em Porto Alegre, é um asfalto que está lá há 30 anos. O de hoje, não dura nada. A Petrobras não é a única culpada dos buracos, porque também há falha de projeto e problemas de fiscalização e conservação. Mas ela é a grande culpada – diz o engenheiro.
Segundo Ferreira, o problema é sentido com mais intensidade no Rio Grande do Sul do que em outros Estados. Aqui, por causa do clima, a durabilidade do asfalto seria mais curta.