Basta lembrar das histórias que encontra diariamente na rua para o taxista André Fagundes Roque, 46 anos, deixar as lágrimas escorrerem ao volante. Funcionário há 22 anos de um táxi no ponto da rodoviária de Porto Alegre, André cansou da indiferença das pessoas com os moradores de rua e decidiu agir sozinho. Sem comentar a ação que pretendia desenvolver, o taxista começou a fazer sanduíches à noite para distribuí-los no final da madrugada, enquanto ia de casa para o trabalho.
Até que o filho dele, Andrei, 23 anos, descobriu o gesto solidário do pai e, junto com a mãe, Leoni, 44 anos, passou a ajudar André a preparar os alimentos para serem doados no dia seguinte. Há um ano, todos os dias, o taxista sai de Alvorada, onde mora com a família, por volta das 5h, e distribui pelo caminho quentinhas recheadas de arroz, massa, carne e feijão, acompanhadas de um cacetinho. Quando não tem condições de comprar comida, faz sanduíches e os distribui. Tudo com dinheiro do próprio bolso, cujo valor não comenta. Apenas confessa que gasta diariamente R$ 18 com as embalagens e os garfos descartáveis.
Conhecido na rodoviária pelo semblante sisudo entre os colegas, de pouca conversa enquanto trabalha, André surpreendeu-os com o gesto solidário. A história só chegou à reportagem do Diário Gaúcho porque um deles descobriu, por acaso, a ação do taxista. Se dependesse de André, a manteria no anonimato. Quer que as pessoas percebam sozinhas a necessidade de ajudar ao próximo, principalmente, os que são invisíveis aos olhos nas ruas.
Esfriou
"Na realidade, as pessoas parece que esfriaram. Não dão mais importância. Eu sei que as pessoas têm que trabalhar, todo mundo precisa de dinheiro. Mas é o maldito dinheiro que comanda tudo. As pessoas não se importam mais com os que estão caídos nas ruas porque estão preocupadas com o próprio trabalho."
Atitude
"Quando tu tomas uma atitude destas, que tu tentas ajudar na rua, é chamado de louco, de bom samaritano. Falta solidariedade."
Experiência
"Só tu vivendo isso no dia a dia para saber o que é a situação. Dá uma tristeza ver estas pessoas ignoradas (choro). Tem horas que dá vontade de chutar o balde, de não fazer. Mas aí a minha esposa incentiva, vem o meu filho e ajuda."
Reza
"Uma vez, fui mexer com um dos moradores de rua, que estava com os olhos fechados e parecia descansar. Foi quando ele me disse que estava rezando, pedindo comida para Deus. Aquilo me doeu! Eu estava levando o único alimento dele naquele dia."
Água
"Próximo ao Hospital Ernesto Dornelles, encontrei um morador muito sujo de barro e das próprias necessidades. Tinha problemas mentais. Ele estava caído na calçada, parecia fraco. Perguntei se ele queria comida. Ele me pediu água. Fazia dois dias que não tomava qualquer líquido. Pediu num posto de gasolina próximo, mas negaram porque ele estava sujo. As pessoas precisam se ajudar ou tudo estará perdido."
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Ajuda
"Levei um empresário até o Centro da cidade, e ele me viu distribuindo sanduíche a um morador de rua. No outro dia, ele deixou quilos de arroz, feijão e massa no posto dos táxis da rodoviária e pediu para me entregar. Queria ajudar. Isso não tem preço."
Formiga
"É como se fosse um trabalho de formiguinha. Sei que não vai mudar a situação deles. Mas, pelo menos, vou deixá-los um pouco mais felizes, com dignidade por terem um alimento."
Esperança
"Espero que as pessoas percebam que não é dinheiro que eles querem na sinaleira. Chegou o domingo e fez aquele churrasquinho? Pegue e compre duas ou três marmitas, coloque numa térmica dentro do seu carro particular, e não tenha vergonha de chegar na rua, descer do seu veículo e entregar esta marmita a alguém que precisa. Pode ser a única comida do dia daquela pessoa. Não vai salvar a sua vida, mas vai amenizar a dor."