Vitor Ortiz é ex-secretário-executivo do MinC e ex-secretário da Cultura de Porto Alegre
Em meio à repercussão negativa da extinção do Ministério da Cultura por Michel Temer e diante das incertezas sobre o destino da pasta, cabe refletir sobre que prejuízos, além dos já evidentes, podem advir dessa decisão.
Primeiro, convém lembrar que o MinC foi criado em 1985, constituindo-se num símbolo da redemocratização e da liberdade de expressão, em sintonia com um contexto nacional de saída de 20 anos de ditadura militar e, no plano mundial, de fim da Guerra Fria. Com o seu advento, departamentos de cultura ganharam status de secretaria nos Estados e nas prefeituras, como foi o caso de Porto Alegre, que viu nascer nessa onda sua atual Secretaria Municipal da Cultura. Em consequência, novos projetos surgiram em benefício da cidade, como o Fumproarte, o Porto Alegre Em Cena, a transformação da Usina do Gasômetro em centro cultural e incontáveis outros. Fenômeno parecido ocorreu em várias outras cidades e Estados. Quadro que, agora, tenderá a se inverter.
Leia mais:
>>> Extinção do Minc é tentativa de volta ao passado, diz Dilma em bate-papo virtual
>>> Em protesto contra extinção do MinC, manifestantes ocupam sede do Iphan em Porto Alegre
Algo parecido ocorreu no Brasil depois da reorganização da Lei Rouanet, nos anos 1990, que gerou uma pororoca de leis estaduais e municipais de incentivo à cultura. Institutos que, como a LIC – a Lei Estadual de Incentivo à Cultura (LIC) do Rio Grande do Sul – se consolidaram, tornando-se indispensáveis. Aliás, no que tange à batalha por recursos, cabe ressaltar que a condição de “secretaria de Estado”, a que deve ser subjugado o extinto MinC, retira da cultura o direito de participar das rodadas da Secretaria do Orçamento Federal. Tais rodadas ocorrem sempre no momento em que o governo organiza o Orçamento da União a ser enviado ao Congresso. Se já era difícil quando a cultura sentava à mesa, imagine a partir de agora.
O fato exigirá que toda a pauta de reivindicações culturais tenha que ser representada pela Secretaria Executiva do MEC, subsumindo-se os seus pleitos. Henilton Menezes, ex-secretário de Fomento do MinC, comentou essa perspectiva destacando que "as demandas da Cultura, sendo de outra escala e natureza, tenderão a ser canibalizadas pela outra metade do MEC", que deverá escanteá-las na primeira disputa pela sobrevivência.
Outro fator negativo será a ausência do peso da representação ministerial da cultura junto à Presidência da República, junto à sociedade e na ação estratégica de promoção da cultura brasileira no Exterior, o que o MinC sempre desenvolveu com excelência no Ano do Brasil na França, na Feira de Frankfurt, na Europália, em Cannes, nos fóruns de cultura da Unesco e na ação multilateral. Sempre que fomos a esses eventos internacionais, nos governos FHC, Lula e Dilma, fomos com ministros do quilate de Francisco Weffort, Ana de Hollanda, Marta Suplicy e Gilberto Gil – figuras de trânsito, com credenciais de ministro.
Também relacionado a isso, conte-se como certo que, tendo o Estado brasileiro uma tradição extremamente hierárquica, a ausência de uma coordenação com autoridade significará uma desarticulação das políticas de cultura entre os próprios órgãos do setor no nível federal. O Iphan, maior autarquia vinculada do extinto MinC – com 57 escritórios regionais, criado em 1937 –, não é órgão para se subordinar a uma secretaria. Seria uma excrescência.
"Procurem o Ministério do Trabalho", provoca Feliciano sobre críticas ao fim do Ministério da Cultura
"Não se trata de nome, e sim de uma política", defende secretário de Cultura
Neste rol encaixa-se também uma Biblioteca Nacional, uma Agência Nacional de Cinema com um novo e potente Fundo Nacional do Audiovisual, uma Funarte, com ações para o teatro, a dança, o circo e a música em todo o país. Há também um Ibram com 29 museus federais e uma rede de outras 3,6 mil instituições Brasil adentro, uma Casa Rui Barbosa, uma Fundação Palmares, uma rede de Pontos de Cultura e um universo impressionante a reclamar o alcance das políticas do Estado brasileiro, como é o caso das culturas tradicionais e das periferias dos grandes centros, ávidas por acesso à cultura.
O que diferencia as políticas do Estado são as destinações orçamentárias, determinadas pelas prioridades. A cultura sempre teve um dos menores orçamentos da União, nunca foi prioritária, o que não significa que seja dispensável. Ademais, a “economia” que se busca com ato tão radical não ocorrerá.
As mais importantes nações do mundo contemporâneo possuem programas culturais consistentes e mantêm no primeiro escalão das políticas de Estado o setor cultural. O nosso Estado, por exemplo, se inspira no modelo francês, que foi o pioneiro na criação de um Ministério de Cultura, obra de Charles de Gaulle, cujo primeiro titular foi o escritor André Malraux, em 1959. A extinção do MinC por decreto é um retrocesso e muita falta de bom senso.