Depois de emocionar lideranças ao contar sua história na sede das Nações Unidas, em Nova York, Nadia Murad tem ganhado o noticiário internacional e realizado palestras ao redor do mundo para buscar ajuda ao seu povo. Em fevereiro, foi uma das indicadas ao Prêmio Nobel da Paz. Em abril, foi citada pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do planeta. Enquanto viajava para participar de palestras nos EUA, Nadia conversou com Zero Hora por telefone. A entrevista foi mediada por um intérprete, Abid Shamdeen, também yazidi:
Parece ser difícil para você falar sobre tudo o que passou lá. Por que faz isso?
Depois de tudo que passei, nada é pior do que o que já aconteceu. É muito difícil falar, mas é mais difícil ver que o mundo está em silêncio frente a essa situação, ninguém está fazendo nada. Por isso, por mais difícil que seja, quero passar a mensagem de que essas pessoas, nossas pessoas, precisam de ajuda. Milhares estão com fome, sem comida, sem casa.
Após conseguir se libertar, como foi o processo de voltar a uma vida "normal"?
Não chamo o que tenho hoje de vida normal, estou apenas tentando viver e ter minha voz ouvida e ajudar as demais mulheres que seguem lá e tentam sobreviver. Sinto que minha única obrigação hoje é buscar ajuda para essas mulheres. Comecei a falar com pessoas sobre o que passei quando cheguei na Alemanha, e transformei isso em uma missão de vida.
Como vê a luta contra o Estado Islâmico hoje? Reconhece algum avanço nessa questão, já que faz mais de um ano que sua aldeia foi invadida?
Não reconheço, porque milhares de mulheres ainda estão em cativeiro, nosso lar ainda está sob controle do Estado Islâmico. Desde então, nunca mais conseguimos voltar para lá. As pessoas seguem em campos de refugiados, o país está acabado. Então, onde está o avanço? É louco, esse mundo está louco. E agora não está acontecendo só lá. Agora aconteceu também em Bruxelas.
Essa seria minha próxima pergunta. Recentemente tivemos ataques terroristas em Paris e Bruxelas, reivindicados pelo Estado Islâmico...
Qual a minha opinião? Enquanto o Estado Islâmico não for combatido, não há lugar seguro neste mundo.
E o que poderia ser feito para combater? Você, que esteve perto deles, que ouviu suas conversas, como poderia colaborar?
Obviamente, são necessárias ações militares, mas eu não sei quais, não sou especialista na área. O fato é que, enquanto não acabarem com os locais onde eles têm mais força, não poderemos terminar com isso. Acredito que aqueles que cometeram crimes e genocídios contra meu povo e muitos outros e devem ser processados em uma corte internacional, forças internacionais devem intervir. Eu já disse e repito que eles podem parecer seres humanos, mas não são. Eles têm uma vida baseada na interpretação deles da religião e na crença de que vão para o paraíso pelo que fazem.
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Você conseguiu levar alguma coisa da aldeia?
Não tenho nada, nenhuma memória. Saímos de lá sem nada, com exceção do meu irmão, que ficou com o celular. E o local ainda está sob controle deles, então não podemos pensar em voltar. Eu sinto muita falta da nossa vida pacífica na aldeia, dos vizinhos, costumávamos ser uma grande família por lá.
Quais imagens ainda a atormentam hoje?
Principalmente dos membros do Estado Islâmico vendendo a gente, vendendo crianças, abusando delas. De todos nós.
Você consegue dormir à noite? O que espera daqui em diante?
Estou melhorando... Eu não quero que as pessoas só tirem fotos minhas e escrevam sobre mim. Em todos os lugares aonde vou, quero que entendam minha mensagem. Quero justiça, quero que esses criminosos sejam punidos. Temos que entender que isso está acontecendo agora, e não podemos continuar calados. Eu seguirei dizendo o que vi, o que passei e testemunhei até que isso se resolva. É uma questão urgente.