A jovem jornalista não queria admitir, mas estava nervosa. Sentia não haver se preparado o suficiente para entrevistar a intelectual cuja produção tanto a influenciou. Nunca é fácil estar perto de um ídolo. Marcaram em um café. A jovem fez questão de chegar adiantada, mas a outra já estava lá.
Após breve cumprimento, a jovem apertou o rec e largou o gravador portátil sobre a mesa de vidro:
– A senhora poderia definir o que é machismo?A mulher mais velha passou um tempo pensando, cogitou não responder e, por fim, falou que "o machismo é esse pensamento que investe um poder maior aos homens. É esse reconhecimento de que cabe aos homens serem viris. Espera-se do homem essa dominação sobre um sexo frágil. E esse pensamento tá aí, sendo reproduzido por homens e mulheres". Depois, ficou em silêncio. Ficaram.
A repórter, imbuída pelo desejo de fazer a entrevistada falar o que precisava ouvir, sacou a Bíblia da bolsa. Do Gênesis, leu um versículo que dizia algo como "à mulher, ele [Deus] declarou: Multiplicarei grandemente o seu sofrimento na gravidez; com sofrimento você dará à luz filhos. Seu desejo será para o seu marido, e ele a dominará". A mais velha tentava entender a intenção da outra, que já começava a ler uma nova passagem. Querendo saber o que a velha pensava sobre Deuterônomio, entregou-lhe o livro. Ela correu os olhos sobre as passagens destacadas em vermelho. A capa da Bíblia, assim como o esmalte da mais velha e o batom da mais nova, também era vermelha. No pequeno silêncio entre assuntos, notou que o frio, lentamente, passava a fazer parte dos seus dias. Quase tudo agora é conforme o outono avança. Ambas sentiram falta de alguma coisa, um tempo vibrátil, mas não conversaram a respeito. Não estavam para lamentar. Quando os cafés chegaram, acompanhados do cliente barbudinho que, quebrando a intimidade do segundo andar, escolheu uma mesa inconvenientemente próxima demais, a mais jovem revelou estar lendo Proust.
– Nunca me interessei pelo que produziram os homens que os homens elegeram como gênios. Sempre me recusei a ser prótese de homem – e se desfez dos óculos. E apertou os olhos com as juntas dos dedos. Estava cansada de falar sobre si. Entregava-se demais às entrevistas.
– No caso de Proust, me interessa ver como um jovem gay enrustido, um eterno convalescente observa o mundo. Há muito do fraco em Proust – tentava argumentar a jovem jornalista.
– Bobagem. Proust é a elite branca europeia.
Junto com o café, a mais nova engoliu amargos goles da doença do Tempo Perdido. Queria e saberia argumentar, mas não podia contrariar a mais velha que, contrariando a própria magreza, se servia de generosas colheres de açúcar. Na TV, um programa de fofocas reproduzia à exaustão a imagem de um apresentador chutando a nuca de uma dançarina encaixotada. O barbudinho da mesa ao lado finalmente conseguiu encontrar os olhos da mais nova e disse: "São tempos difíceis para ser mulher".
– Nunca foi tão fácil ser mulher. Os homens estão apavorados. Estamos nos organizando, repensando nosso discurso e isso gera medo e violência por parte de vocês.
Depois o assunto enveredou para a perigosa polarização de extremos. "Eu só não aceito o cuspe! Pode falar o que quiser, não há razão para cuspir", interrompeu, novamente, o barbudinho. A mais velha lembrou que a reação deve ser pensada diferentemente da ação. Enquanto a ação de insultar é planejada, racionalizada e reiterada, a reação do insultado advém do susto. A reação a um assédio moral público é inesperada e pode ser violenta. O fato é que se não houvesse o insulto, não haveria o cuspe. A violência planejada e decidida precisa considerar a reação do violentado. Reagir a uma violência é diferente de violentar. "Sentir o cuspe é ignorar o sangue", concluiu antes de encerrar a entrevista.
– Assustadora é a banalização do insulto! - completou a mais jovem.
Desceram juntas as escadas, deixando o falo para trás. Voltando para casa, a mais velha sentiu no rosto um primeiro vento frio. Foi quando se deu conta de que mais um verão havia passado. Para sempre. No fim daquela tarde, notou que o céu, assim como as suas unhas, também estava vermelho.
* Ismael Caneppele escreve mensalmente para o Caderno DOC.