Minha amiga é mãe de um garoto de cinco anos. Trabalha o dia inteiro, mal tem tempo de ficar com o pequeno. Os dias do filho se diluem entre o pai, a escola e a moça contratada para cuidar. Há dias em que minha amiga conversa com o filho somente quando acorda. Quando retorna à casa, o garoto já está a dormir.
Era depois das 10 horas da noite quando ela chegou, semana passada. Como sempre, tratou de se desinfetar antes de entrar, sorrateira, no quarto da criança. Sabonetes, álcoois, lenços umedecidos. Aquela era a melhor hora do dia. Sabia que, no futuro, sentiria falta do menino. Já sentia, mesmo sem saber.
Notou que o pequeno, pela primeira vez, parecia não estar tranquilo em seu sono. O rosto carregava uma tensão que ela ainda não conhecia. Um rosto novo era aquele filho que dormia. Não demorou muito e ele acordou, assustado. Olhou para a mãe e não sorriu. Minha amiga perguntou se estava tudo bem, ao que o menino respondeu negativamente. Com o rosto sério, disse apenas:
– Eu quero que a Dilma morra, mamãe.
Exposto o desejo, voltou a dormir.
Minha amiga passou um tempo olhando em volta, tentando encontrar algum sentido na lógica desarrumada dos brinquedos. Mãe, buscava entender quando foi que o desejo de morte se instaurou no corpo do filho. No divã, procurava associar a morte da mãe à morte de Dilma.
– Talvez eu seja Dilma... – insinuou minha amiga.
– Somos todos Dilma – completou o analista.
Naquele dia, ela foi embora do consultório sabendo ainda menos sobre os desejos de morte. Saiu sem entender se devia procurar algum culpado pelo desejo incrustado no filho. No carro, tentava assimilar os arquétipos, tanto da mãe quanto da morte. Pensou em Dilma e sentiu pena dela.
À noite, voltou mais cedo para casa. Sem avisar ninguém, estacionou o carro na garagem. O carro do marido, estacionado na vaga ao lado, lhe deu quase uma certa certeza tranquila de que tudo estava em seu lugar. No elevador, passeou os dedos pelo Facebook, sentindo raiva de cada machismo sofrido pela mulher cuja morte o filho havia desejado. Correu os olhos pela lista da Odebrecht e ficou surpresa com os nomes de Manuela D’Avila e Maria do Rosário. Procurou pelo nome de Dilma e não o encontrou.
Quando abriu a porta da casa, tudo estava lá. O marido deitado no sofá, o pequeno tentando fazer os temas de casa e a televisão desejando o pânico. Os grampos de Dilma, reproduzidos à exaustão, a tornavam mais mulher e menos presidente, o que não era de todo mal. Ela beijou o marido, e ele estranhou ela ter chegado em casa mais cedo. Também estranhou a blusa vermelha e os cabelos suados. Ele perguntou onde ela havia estado, e ela respondeu:
– Eu fui na marcha lutar pela Democracia.
Depois, encarou William Bonner e sentenciou:
– Não vai ter golpe!.
O marido não conseguia entender aquele grelo duro que, subitamente, havia se materializado dentro da própria casa.
– Você saiu para defender essa bandida? – gritou o homem, saltando do sofá.
Ela nada respondeu. Pegou o filho, os cadernos e o estojo, e deixou a sala em silêncio. Desde então, os dois nunca mais dormiram juntos.
*Ismael Caneppele escreverá mensalmente para o Caderno DOC.