Esta palavra, encontrada em bulas de remédio, vem do grego aitía e designa causa ou causalidade. Junto com arché, que aparece em "arqueologia" e designa fundamento, forma o binômio cardinal do pensamento científico clássico, estudo das causas e princípios. Inicialmente a física e a cosmologia, logo a seguir a filosofia, a medicina, o direito e a história, tomam estes conceitos para ultrapassar o plano das aparências e indagar sistematicamente o que está por trás dos fenômenos e atua como sua causa real. Esta investigação leva ao conhecimento do logos, a racionalidade própria de cada ente ou evento. Assim, mundo, corpo, guerra e cidade, cada qual tem seu logos, que não se confunde com a aparência, pois está em um segundo plano, com poder determinador. Pela primeira vez na história do pensamento, de Tales (séc. VI a.C.) a Aristóteles (séc. IV a.C.), a potência que causa o mundo não foi tida como de ordem divina, mas natural, pertencente ao domínio da physis, natureza, e passível de investigação e conhecimento pleno. Aitía, arché, logos e physis, quatro palavras gregas, e com elas a síntese do pensamento científico ocidental.
Foi neste cenário que Platão (sécs. V – IV a.C.) revoltou-se com a transitoriedade do mundo das aparências, que ele associava também ao regime democrático, inconstante. Para Platão, a verdade situava-se em um plano superior e era dotada de abstração, poder formal e permanência; o mundo das ideias era um hiperespaço de projetos ou conceitos que dava fundamento ao mundo em que vivemos, e que constituía o objeto máximo do conhecimento. O saber equivalia a contemplar (theáo, de onde temos "teatro") as ideias em sua pureza essencial, a teoria. Deste sistema filosófico advieram consequências boas (a organização do cenário especulativo, o estudo das essências produtoras da realidade) e ruins (a presunção de autoridade das ideias, o prevalecimento histórico das ideologias que se julgam universais, como a helênica, a cristã e a europeia); Platão e o platonismo são desde a origem um tesouro e uma ameaça para a humanidade.
Na medicina de Hipócrates (séc V a.C.), os corpos eram examinados em sua dimensão física, independente de demônios e possessões, e a saúde era tida como resultado de condições de vida adequadas, complementadas com a incisão corretiva do médico, a quem se oferecia vasto instrumental para agir com as mãos (cheiros + ergos, mão + trabalho = cirurgia). Estas teses vigoram também em um novo modelo de cidade, racional, equilibrada e bem ventilada, concebida por um contemporâneo do pai da medicina, o urbanista Hipódamos de Mileto, autor do conceito espacial de que você desfruta ao mover-se em cidades organizadas em quarteirões. Cidade e medicina podem cooperar em favor de saúde, harmonia e felicidade.
Já Tucídides, historiador ateniense, teve diante de si o que julgava ser a maior das catástrofes, a Guerra do Peloponeso (431 – 404 a.C.), e procurou explicar o fenômeno, para que os homens não o repetissem. Seu primeiro movimento foi buscar as causas (aitiai) verdadeiras para além das alegações; concluiu que Atenas e Esparta apresentavam pretextos para a guerra, mas a causa real era a pretensão de domínio de ambas. No curso de suas investigações, descobriu outras causas, a principal, a forma irracional com que o povo se comportava nas assembleias, de onde veio o estudo do fenômeno da demagogia, que, para o historiador, pôs Atenas no caminho da derrota. A ambição de poder, por sua vez, é julgada à luz da principal categoria ética e jurídica da cultura clássica, a hybris (desmedida), que assola heróis trágicos e tiranos e se aplica também ao Estado.
Atenção: não há causalidade única, os fenômenos são complexos e resultado de múltiplas determinações; não há demônio, vilão protagonista ou bode expiatório que dê conta do quadro. Isto vale para a História, sobretudo a atual, onde causas e alegações devem ser discernidas e onde as moléstias de cidade e nação doentes exigem bem mais do que passionalidade irracional e celebração da hybris. Valham-nos os gregos e todo tipo de prudência benfazeja.
*Francisco Marshall escreve mensalmente no Caderno DOC.