Há um dia de abril em que o extremo sul de Porto Alegre recebe uma cavalgada à la 20 de setembro. Mas com algumas peculiaridades:
1. Um homem vestido de São Jorge lidera o cortejo.
2. O séquito finaliza em um terreno onde existe uma pirâmide de 21 metros.
3. Centenas de gaúchos pilchados acompanham a galope.
A cena inusitada corresponde à Cavalgada dos Cavaleiros do Castelo Sagrado de São Jorge, evento incluído no calendário turístico da Capital em homenagem ao santo nascido na Capadócia. Comemora-se o dia do guerreiro que, diz a lenda, salvou a filha de um rei de um dragão em 23 de abril. Só que em Porto Alegre, a festa ficou para um dia depois.
No domingo, 1,1 mil pessoas, segundo estimativa da Brigada Militar, celebraram a devoção em procissão de 16 quilômetros desde o Belém Novo até o Lami, na 23ª edição do cortejo na cidade. Um evento fruto de uma promessa.
Conta-se que, há 23 anos, a filha de um peão sofreu um coice de um burro. O pai fez uma promessa a São Jorge, e a menina se curou. O jeito foi pagar o que afiançara – uma cavalgada em homenagem ao santo.
– Começamos com três cavaleiros. No ano passado, éramos 2,8 mil – comemora o advogado Diógenes Meira, 51 anos, o "São Jorge" que encabeçou o evento.
Meira inaugurou a procissão ao lado do funcionário que teve a filha ferida – o homem não participou do evento no domingo, mas o patrão diz que ele continua devoto. Mais tarde, buscaram apoio da Mestre Tala, conhecida líder religiosa na zona sul da cidade que se autodenomina "universalista", e ganharam mais adeptos.
– São Jorge é um dos orixás fundamentais dentro da umbanda. Ele é o senhor das demandas, o senhor da vitória – explica Mestre Tala.
Ela não acompanha o cortejo a cavalo, mas sobre a caçamba de uma caminhonete junto a uma imagem de São Jorge. Mestre Tala lamentou que muitos cavaleiros não puderam comparecer (o público foi inferior à metade do ano passado) por causa da exigência de vacinação dos animais contra mormo, anemia e gripe equina. Mas estava contente porque acreditava que as energias positivas afastariam a chuva indicada pela previsão do tempo. Em partes. Quando os primeiros participantes deixaram a Avenida Heitor Vieira, no Belém Novo, pelas 10h30min, um mormaço forte – mas nenhum pingo – os acompanhou. Já no trajeto que atravessou a Estrada do Lami, um vento gelado e um princípio de temporal tornaram o passeio pouco confortável.
Procissão se encerrou com ritual de cavaleiros
Teve gente que nem se importou com o tempo instável.
– Participo em homenagem a Ogum (nome de São Jorge na umbanda). É uma demonstração de fé – resume a dona de Casa Carmem Lima, 52 anos.
Também há quem participe por considerar o santo uma espécie de protetor do gaúcho. Isso porque a imagem de São Jorge – um soldado romano sobre um cavalo empunhando uma espada – até
se assemelha à figura do gaúcho (um homem do campo sobre um cavalo e um facão na guaiaca).
– É o protetor dos nossos cavalos – diz o funcionário público Luan Lopes, 25 anos, que participa há oito da cavalgada.
Duas horas e 14 minutos de procissão depois, o grupo chegou ao Templo Universal da Paz Pai Francisco de Luanda, um complexo, comandado por Mestre Tala, onde ficam 33 templos. Pouca atenção ganhou o mais imponente deles, a pirâmide de
21 metros, que, segundo ela, tem propriedades de cura. O que importava mesmo era o castelo de São Jorge.
No local, um ritual de cavaleiros lembrou que, apesar do clima gauchesco, aquele era um evento religioso – e uma enxurrada de discursos de políticos sugeriu que estamos em ano eleitoral.