Um elemento que não consta na narrativa bíblica incrementou a penitência dos fiéis que acompanharam a 57ª Via Sacra do Morro da Cruz nesta sexta-feira. A chuva incessante que lavava a subida em direção a um dos pontos mais altos de Porto Alegre exigiu uma dose extra de fé e motivação das pessoas que percorreram o trajeto de cerca de 1,5 quilômetro para ver a cruficicação, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo.
A provação foi aceita por poucos. Diferentemente de outras edições, quando o evento chegou a reunir 30 mil pessoas, apenas algumas centenas colocaram sua fé acima do mau tempo, que encurtou a tradicional encenação, protagonizada pelo ex-deputado estadual Aldacir Oliboni. Munidas de guarda-chuvas ou capas, várias delas foram movidas pela gratidão por uma causa atendida.
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Sem guarda-chuva, capa ou mesmo sapatos, um ser angelical se destacava da multidão sobre os ombros de Rafael Machado Chagas, 28 anos, que percorria descalço o íngreme trajeto desde a Igreja São José do Murialdo. De vestido branco, com uma auréola sobre a cabeça, a filha de três anos o acompanhava na terceira de sete vezes em que o trabalhador da construção civil prometeu participar da procissão.
Morador da Capital, Chagas realiza a dolorosa travessia em agradecimento à melhora da menina, que, ainda bebê, foi internada com problemas respiratórios. Preocupado com a saúde da filha, o homem, que não se considera religioso, resolveu apelar ao auxílio divino. A criança apresentou melhoras e, desde então, é levada pelo pai, vestida de anjo, para a Via Sacra.
– Eu só acredito em Deus. Tudo o que eu peço, ele me alcança – disse, enquanto subia, concentrado, o trecho coberto de água.
Envolta em uma capa de chuva plástica e presa ao colo da mãe, Bianca, um ano e oito meses, também foi vestida de anjo à procissão para, ainda sem saber, agradecer pela própria vida. Aos oito meses, a menina de olhos verdes e cabelos encaracolados que observava calada o movimento ao redor foi internada por 10 dias com coqueluche. Católica, Paula Pedroso, 33 anos, foi à igreja pedir a cura da filha. Em troca, carregaria a criança fantasiada morro acima, fizesse sol ou chuva.
– Já tinha feito promessa pela saúde do meu filho mais velho. Ele veio junto no ano passado, para conhecer a história de Jesus – conta a moradora de Viamão.
A poucos metros do topo do morro, outro ser angelical de asas em soft, galochas e cabelo encharcado pela chuva propôs a Alexandra Carvalho Reis, 23 anos, uma pausa para descansar do trajeto. Aos cinco anos, a anja Mariana Reis Lopes é experiente em vias sacras: acompanha a mãe desde o primeiro ano de vida, depois que melhorou de uma bronquiolite. Mas era a primeira vez que encarava a travessia com as próprias pernas – e abaixo de chuva.
– Quando ela começou a melhorar, vi que minhas preces tinham sido atendidas. Prometi trazer ela até os sete anos vestida assim, porque ela era um anjo – diz a moradora do Morro da Cruz.
O suplício de anjos e mundanos culminou no topo do morro por volta das 17h30min, após cerca de 45 minutos de caminhada, quando os fiéis assitiram atentos à última e mais comovente parte da encenação: a cruficação e a ressurreição de Jesus Cristo. A penitência acabou só no palco. Sem arrefecer, a chuva garantiu um novo calvário na volta para casa.
Sósia do Papa Francisco foi aplaudido pelos fiéis
Minutos antes do começo da Via Sacra, um personagem carismático impressionou o público que aguardava pela cerimônia por sua semelhança com um expoente do catolicismo. Sósia do Papa Francisco, Jorge Jacoby subiu ao palco por alguns minutos e abanou para os fiéis durante a fala do padre. O personagem, que apareceu no evento pela primeira vez, foi aplaudido pelo público.