* Historiador e arqueólogo, professor da UFRGS, coordenador do Seminário Internacional Virada Sustentável PoA 2016
"Com base em todos os dados sobre mudanças climáticas hoje disponíveis, nota-se que a humanidade corre para o precipício e, em vez de pisar no freio, pisa no acelerador."
Carlos Nobre, Aula Magna da UFRGS, 8/4/2010
Cientistas e a parte esclarecida da população têm consciência da catástrofe, dos danos causados ao planeta e de seus efeitos reversos para o modo de vida da humanidade. As mudanças de comportamento, todavia, demoram para ocorrer. Há diversas soluções em desenvolvimento, e a situação já começa a se alterar, com o abandono de tecnologias sujas, nova ética do consumo, responsabilidade com o lixo, mudanças comportamentais, energias limpas, novos materiais, nova educação. Levará ao menos uma geração (cerca de 25 anos) para que esta mudança se consolide, assegurando-nos os parâmetros que garantam nossa sobrevivência neste planeta alterado. O Seminário Internacional Virada Sustentável Porto Alegre 2016 – que ocorre nos dias 1º e 2 de abril, no Auditório Araújo Vianna – soma forças neste caminho, e reúne especialistas de diferentes segmentos científicos, culturais e sociais para apresentar o estado atual das questões e os caminhos para a mudança sustentável (veja programação em bit.ly/viradapoa).
Leia mais:
Acordo global do clima foi ambicioso, mas definiu poucos compromissos
Aquecimento global pode provocar 500 mil mortes no mundo até 2050
Nível do mar subiu mais nos últimos cem anos do que nos três milênios anteriores
A humanidade, como as demais espécies, move-se por duas razões: conforto e preservação. É natural que queiramos garantir o grau de conforto que alcançamos com ciência e tecnologia acumuladas em 5 mil anos de cidade e centenas de milhares de escala evolutiva, mormente nos últimos 200 anos de revolução industrial. Sabemos, também, que só chegamos a esta condição devido a uma agressividade ímpar, que nos fez triunfar mesmo com inferioridade física e transformar a natureza, criando um novo habitat, urbano. Esse desejo de conforto e a agressividade para conquistá-lo movem a economia e chegam ao corpo de cada indivíduo. Nesta saga, todavia, perdemos a escala e produzimos exageros que ora comprometem nossa sobrevivência e o conforto enganoso em que nos acomodamos.
Isto conecta as máquinas que temos em casa ao que se passou em novembro de 2015 na represa da Vale do Rio Doce/Samarco, conecta o bom carro e o bife à mesa ao degelo da calota polar. Então, sofremos não só pelos ursos polares ou pelos pescadores mineiros e capixabas, mas também pela profusão de fenômenos perturbadores no planeta, atingindo a todas as nações e classes sociais. Há fatos graves que nos mostram a escala que nos falta no cotidiano, onde vivemos imersos em rotinas particulares. Precisamos olhar o conjunto e provocar mudança em escala, por decisão consciente, pois nossos corpos darwinianos continuarão perseguindo conforto e eficiência nos padrões anômalos que nos trouxeram à beira do abismo. Precisamos de novas éticas, novos comportamentos, novas empresas, nova educação, nova visão da cultura.
A virada ora realiza-se com um novo conceito, elaborado para dar parâmetros às mudanças necessárias: sustentabilidade. Devemos quantificar todos os processos deletérios da ação econômica e, assim, minorar o impacto e compensar os danos causados à natureza, sobretudo à camada verde. As empresas precisam rever seus processos e criar novas estratégias para atingir seus fins, sem ampliar danos. Eficiência econômica com responsabilidade ambiental, ponto crucial da era da sustentabilidade.
Além da resistência de nossos corpos afeitos ao conforto, a virada sustentável enfrenta o desafio de pôr o dedo no nariz de gigantes da economia, da indústria automotiva, do cartel petrolífero, da indústria bélica, da indústria aeroespacial e da produção de centenas de badulaques, todos negócios muito lucrativos, que alimentam um ente egoísta que pode não estar sensível aos apelos da mudança: o capital, monstro ainda mais potente que o Leviatã de Hobbes (o Estado). Em que medida o capital é resultado da ação humana, ou ele próprio produz e dirige os processos que levam a seu engrandecimento, sem limites? A mudança global, neste ponto, depende de decisões éticas, as quais ganham força quando provocadas por mobilização social esclarecida, engajamento político e deliberações que alterem o rumo aparentemente natural, desregulado, do capital e da ambição industrial, principais vetores da catástrofe que ora vivemos.
A sensibilidade para percebermos esse quadro vem pelas obras de arte-criadores, capazes de transformar o horrendo em beleza. No campo emergente da arte sustentável, têm primazia os materiais reciclados, e o alerta para desequilíbrios ambientais; esta arte muda o espaço público e promove a nova consciência, ao lado dos educadores, a quem cabe reformar currículos e linguagens, para que a escola seja foco da transformação em curso. Com informação atual e consistente, que altere atitudes e corrija os desvios da humanidade, a escola é capaz de mudar o mundo, especialmente quando acompanhada de mobilização social ampla – acadêmica, cultural, econômica, política – que dê segurança a este destino profilático, urgente e necessário.