A melhor série a que assisti nos últimos tempos foi Transparent. Criada por Jill Soloway para o serviço de streaming da Amazon e ainda indisponível no Brasil, o seriado coloca em cena de uma maneira absolutamente naturalista a família Pfefferman, judeus de Los Angeles que, logo no primeiro episódio, são surpreendidos com o tipo de revelação que-mudará-as-coisas-para-sempre: o patriarca Mort, depois de décadas lidando sozinho com questões identitárias, resolve contar para os filhos e para o mundo que é transgênero. Mort passa a ser Maura. A casa enorme em Pacific Palisades é substituída por um apartamento compacto em um condomínio repleto de gays e trans. Sentindo-se livre pela primeira vez, mas, ao mesmo tempo, tendo que lidar com questões extremamente complicadas, Maura é o centro de uma trama que se completa com a ex-mulher e os três filhos adultos (ainda que, dependendo do ponto de vista, a palavra "adulto" possa ser contestada).
Qualquer narrativa, ao ter a ambição de representar a vida em determinado lugar e em determinado tempo, precisa optar por um punhado de temas e um certo tom unificante. Transparent gravita em torno da confusão de seus personagens, dos relacionamentos amorosos não-convencionais e da busca por uma identidade em um mundo onde aparentemente não há mais limites para a experimentação e para as mudanças. O tom é cômico, mas de um jeito muito sutil e um pouco amargo, como se Jill Soloway estivesse nos dizendo "veja como essas pessoas podem ser tão egoístas e, ao mesmo tempo, tão ignorantes sobre si mesmas".
Os irmãos Pfefferman têm mais de 30 anos. Dois dos três dependem financeiramente de terceiros. Para a irmã do meio, Ali, nenhuma máxima parece cair tão bem quanto "os 30 são os novos 20". Ali ainda está pensando no que estudar, tem um guarda-roupa mutante e se engaja num verdadeiro catálogo de relações sexuais e amorosas. Talvez não haja nada de estranho nisso, muito pelo contrário. Os Pfefferman parecem representar um certo mundo contemporâneo liberto de preconceitos e deveres que simplesmente não sabe o que fazer com tanta opção – a dieta sem glúten, a farinha de couve-flor, mas também os cortes de cabelo, uma experiência sadomasoquista ou a primeira relação sexual com alguém do mesmo gênero aos 33 anos. As mudanças abruptas nas identidades dos adoráveis e autocentrados Sarah, Ali e Josh podem então não ser um caso de eu-não-sei-o-que-quero, mas sim de cansei-agora-vou-tentar-algo-diferente.
Colocar isso em discussão é muito corajoso da parte de Jill Soloway. O caminho mais fácil seria simplesmente criar uma série centrada na figura de uma mulher trans e receber aplausos pela relevância e atualidade do tema. Soloway foi muito além disso. Ao mostrar até onde nossa liberdade nos levou (felizmente!), ela alerta para uma crise atual no universo da afetividade. Em tempos de Tinder e similares, o Outro parece ter se tornado um mero acessório em nossa busca por um "eu" sempre em metamorfose.
*Carol Bensimon escreve mensalmente no Caderno DOC.