Antes de levantar pela manhã, Matilde Souza da Rocha pega o frasco que fica na cabeceira da cama e aplica jatos em pés, pernas, braços e pescoço. Não é para afastar o mau olhado que o ritual é repetido religiosamente ao menos três vezes por dia, mas para manter longe o mosquito Aedes aegypti.
Além de repelente, a pensionista de 66 anos se arma com inseticida e pastilhas contra mosquitos que ficam nas tomadas o dia todo. O aparente excesso de cuidados é consequência de um número preocupante: a Vila Nova, bairro onde mora, registrou o maior número de casos de dengue autóctones (contraídos no local) em Porto Alegre.
– Fico ligada sempre. Já matei mais de 10 “pintadinhos” nesse ano – conta a senhora, ao falar da principal característica do Aedes.
A casa fica ao lado de um grande valão a céu aberto. A principal preocupação de Matilde é com a neta Maria Luísa, de dois meses.
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– Passo repelente especial nela pelo menos quatro vezes ao dia – conta Michele Souza Rocha, mãe da bebê e filha de Matilde.
Bairro da zona sul de Porto Alegre, a Vila Nova tem pouco mais de 38 mil habitantes, cerca de 2,71% da população da cidade. É residencial e mantém características rurais, com chácaras e áreas verdes. Dos 51 casos autóctones confirmados na Capital, 40 foram registrados ali. Segundo a Vigilância em Saúde do município, não há um padrão ambiental para os surtos.
– Em Porto Alegre, temos casos de dengue autóctones desde 2010. E cada ano é diferente. O que ocorre na Vila Nova neste ano aconteceu no Partenon em 2013. Todos os bairros têm condições para a propagação de mosquitos. O vírus chega com alguém doente – explica a bióloga da Coordenadoria-Geral de Vigilância em Saúde (CGVS) Maria Mercedes Bendati.
A grande presença de vegetação na Vila Nova não explicaria o surto no bairro. Segundo Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury, principal laboratório de medicina diagnóstica do país, deve-se considerar o “efeito fundador”:
– É quando um morador viaja e importa a doença ao seu local de origem.
Provavelmente, foi isso que ocorreu nessa região. O Aedes voa em torno 200 metros de distância. Por isso, é comum ter muitos casos de dengue na mesma casa. Em bairros com mais chácaras e casas, a densidade populacional é menor do que em centros urbanizados, então, o número de afetados deveria ser menor.
Giselle Lovato engordou as estatísticas de casos de dengue no bairro no final de fevereiro. A supervisora hospitalar mora em uma casa de madeira com telas contra mosquitos cobrindo as janelas. Apesar do cuidado, a moradora não tem ideia de como foi picada pelo Aedes e diagnosticada com dengue do tipo 1.
Ela vinha sofrendo com dores de cabeça, febre alta, manchas no corpo, diarreia e vômito durante dias antes de receber a notícia.
– Sabia do risco no bairro, mas jamais imaginei que tinha dengue. Lembro de acordar com muita dor de cabeça, como se fosse ressaca – lembra.
Um caso muito comentado na vizinhança foi o da aposentada Vilma Rosa de Aguiar, 65 anos, e de sua família, que vivem em uma rua asfaltada e movimentada, perto de uma mata fechada.
– Moro há 50 anos aqui e nunca tinha visto essa doença na região. Fui uma das primeiras a ser picada. Tive de baixar quatro dias no hospital porque estava desidratada. Depois, boa parte da família adoeceu. Agora, estamos todos bem – comemora.
O medo do mosquito tem mesmo influenciado os hábitos dos moradores da região. Jorge e Ecilda Barbosa moram há 15 anos em uma casa de dois andares na Rua Ênio de Souza. Todo o final de tarde, o casal costumava abrir as cadeiras de praia no jardim para tomar chimarrão.
O receio da dengue e o aumento no número de mosquitos empurrou o casal para dentro de casa, onde, agora, sorve o amargo com portas e janelas fechadas para evitar o acesso de insetos.
– Antigamente, era ótimo sentar na frente para tomar chimarrão. Neste ano, os mosquitos não estão dando trégua, não lembro de ter visto tantos. Estamos com medo desse risco todo – diz o funcionário público aposentado.
O pátio grande nos fundos da residência passou a ser constantemente checado para evitar focos. Mesmo com as medidas de precaução da família Barbosa, o que mais preocupa a professora Ecilda é o desleixo dos vizinhos.
– Eu vou comprar um megafone para sair pelas ruas nos finais de semana e pedir para todos os vizinhos limparem seus terrenos e cuidarem para acabar com os focos do mosquito. Não adianta só cuidar a nossa casa. É uma responsabilidade de toda a comunidade.
As áreas que tiveram casos confirmados no Vila Nova foram mapeadas pela prefeitura e estão recebendo a aplicação de inseticida e visita dos fiscais da vigilância. Na última terça-feira, Alexandre do Santos Silveira batia palmas e acionava campainhas de diversas residências do bairro:
– Secretaria da Saúde, controle da dengue – gritava o controlador de pragas da prefeitura antes de ordenar a aplicação de inseticida em terrenos e fachadas.
Segundo Silveira, a ação na região foi redobrada. Os técnicos estão reforçando o uso de inseticida para prevenir futuros casos da doença e estancar a proliferação do Aedes aegypti.