Existe o terrorismo físico, que tem sido analisado intensamente. Mas há, igualmente, uma forma difusa de terrorismo psicológico praticado através da própria sociedade, que se expressa por meio do fanatismo politicamente correto. Há exatos 30 anos, um após a implantação da Nova República (lembram dela?), as ilusões já haviam se convertido em frustração, e o presidente Sarney era chamado de "banana" pelo povo. Então, com o Plano Cruzado, ele congelou preços e salários e pediu a todos que denunciassem reajustes, como "fiscais do Sarney".
Da janela via, diariamente, o gerente de um supermercado de rede já extinta, que o abria de manhã cedo e o fechava tarde da noite, trabalhando duro e sendo gentil e prestativo com os clientes. Obviamente por ordem do proprietário, o azeite foi reajustado e bondosas senhoras, suas amigas, chamaram a polícia. Se sentiam "empoderadas", e o homem saiu algemado e foi fichado. Meses depois, o plano eleitoreiro acabou, e os delatores assistiam comportados ao retorno do preço de mercado, no lugar do marcado.
Em São Paulo, uma mulher, falsamente acusada nas redes sociais de assassinar crianças em rituais de bruxaria, foi linchada e morta por uma multidão que se achava legitimada a fazer justiça. Da mesma forma, em cidades ultrapoluídas, com milhões de veículos, pessoas são denunciadas e punidas por fumar sob uma marquise. Curiosamente, nenhum consumidor de drogas é molestado, até se pensando em legalizar seu "baseado" que, milagrosamente, passou de nocivo à benéfico para a saúde, e sua fumaça parece não incomodar.
Em conversa ampliada, há o risco de se dizer alguma palavra "politicamente incorreta", embora sem qualquer maldade, e arranjar um problema sério. Ao sabor do politicamente correto, alguns crimes passam a ser considerados "hediondos", outros não. Assim, as relações humanas passam a constituir um domínio do medo, num universo de fanatismo, inclusive com a galopante judicialização por motivos banais. Quando as pessoas eram educadas, cediam o assento no transporte público a quem necessitava, sem precisar de leis cada vez mais detalhadas e até bizarras.
Para não falar do fanatismo na política, onde destros e canhotos, totalmente desmoralizados, se agridem com ódio, baseados em princípios que não praticam. Hoje, o politicamente correto é praticado por ambos os grupos, mas ele chegou aqui nos anos 1980, cheio de boas intenções, como ação de uma "nova esquerda" que procurava copiar a moda euroamericana, com pitadas de Gramsci para dar uma coloração progressista. Mudar a sociedade de cima para baixo, com leis sobre tudo e vigilância recíproca. O politicamente correto se considera a Verdade Absoluta e, como tal, não admite crítica ou nuances. É o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley e o 1984 de George Orwell combinados. Dá medo ver os bons se tornarem fanáticos e os inteligentes se calarem.
*Paulo Fagundes Visentini escreve mensalmente no caderno PrOA.
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