Os rodoviários de Porto Alegre reúnem-se nesta terça-feira à tarde com as empresas de ônibus, para negociar o dissídio da categoria, sem ter acertado ainda as contas da greve traumática a que submeteram a população da Capital exatamente dois anos atrás.
Julgada abusiva pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT), a paralisação de 15 dias iniciada em 27 de janeiro de 2014 rendeu ao sindicato que representa motoristas e cobradores uma multa de R$ 300 mil. Até o momento, o valor não foi pago.
Levando em conta o montante anunciado inicialmente pela Justiça, saldar esse débito representaria uma barganha para os trabalhadores. Durante a greve, o tribunal chegou a fixar multa diária de R$ 100 mil contra o sindicato, por descumprimento de determinações judiciais. Ao fim do movimento, o total a pagar somava R$ 1,25 milhão. Mas soube-se depois que não era para valer. Em junho de 2014, a Seção de Dissídios Coletivos do TRT resolveu reduzir a penalidade a apenas um quarto da quantia original.
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Os magistrados concluíram que um valor mais em conta já seria pedagógico para o Sindicato dos Rodoviários e que aplicar a multa original poderia inviabilizar a agremiação: "Tendo em vista que deve ser sopesada nas decisões a sua eficácia e que ponderamos em um processo de dissídio coletivo questões que ultrapassam a simples transferência de patrimônio decorrente de dano, tratando-se, isto sim, de medida pedagógica que alcance sua efetividade e, ainda, tendo presente a função social do ente representativo da categoria, arbitro o valor de R$ 300 mil", manifestou-se a relatora, Tania Rosa Maciel de Oliveira.
A decisão de proteger os cofres do sindicato, contudo, não teve unanimidade. A desembargadora Berenice Messias Corrêa defendeu que o valor fixado durante a paralisação fosse mantido. Em seu voto, ela afirmou que os rodoviários haviam afrontado o Poder Judiciário e que reduzir a multa seria incentivar a impunidade.
A magistrada compara a situação à educação de uma criança: ela reincidirá no mau comportamento se os castigos anunciados não forem aplicados.
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"Nosso país vem sofrendo inúmeros abalos, exatamente porque esta sociedade se encontra desamparada e à mercê de algumas categorias que, com intenção única de manter seus ganhos particulares, ameaçam toda uma população que resta desatendida em suas necessidades mínimas. A medida imposta não logrou êxito em fazer com que a categoria dos rodoviários retornasse a sua atividade por um único motivo. Essa categoria sabe que a medida não será cumprida. O fim da punição é exatamente evitar o delito. O conhecimento de que esta não será aplicada somente servirá de incentivo para que não se cumpra qualquer determinação seja ela judicial ou estatal. (...) Nada se pode esperar do futuro de uma sociedade onde os infratores são tratados de forma paternal", argumentou a desembargadora.
A questão da aplicação da multa ficou em suspenso até novembro passado, quando o Tribunal Superior do Trabalho (TST), depois de avaliar um recurso da Carris a respeito de compensação pelos dias parados durante a greve, devolveu o processo ao tribunal regional. Em 14 de dezembro, o TRT finalmente citou o sindicato, solicitando o pagamento. Como os trabalhadores não quitaram a dívida, a questão retornou para a Seção de Dissídios Coletivos, que vai executá-la.
A assessoria de comunicação do tribunal afirmou que nenhum magistrado concederia entrevista sobre o caso, mas disse que a Justiça pode fazer a cobrança mediante a penhora de bens ou de valores em conta bancária.
Alceu Machado, advogado da entidade patronal, o Sindicato das Empresas de Ônibus de Porto Alegre (Seopa), duvida que o valor seja pago algum dia. Ele entende que o valor fixado pelo tribunal é, no fim das contas, irrelevante.
- O desfecho é sempre o mesmo. É o não pagamento. É o que a gente vê na prática. E, justiça seja feita, não é só com esse sindicato, mas com outros também. As multas são aplicadas e ficam inexequíveis - afirma.
Quando e se os R$ 300 mil forem pagos, os valores serão revertidos ao Instituto do Câncer Infantil e ao Hospital Parque Belém.
Sindicato espera facilidades para pagamento
O Sindicato dos Rodoviários de Porto Alegre diz que não pretende questionar na Justiça a multa aplicada pela abusividade da greve de 2014, mas espera obter alguma facilidade nas condições de pagamento. O advogado da entidade, Filipe Bergonsi, afirma que pagar os R$ 300 mil agora, de uma vez só, seria muito difícil.
- Não vamos interpor medida contra a multa, porque decisão judicial não se discute. Mas essa é uma situação sem solução simples, que exige uma atitude diferenciada. O sindicato respeita, mas tem outros compromissos, tem dívidas maiores do que essa, tem responsabilidades assistenciais com os trabalhadores. Estamos tentando arrumar a casa, mas essa não é tarefa para o curto prazo - afirma.
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O presidente do sindicato, Adair da Silva, reprova a forma como a greve de 2014 foi conduzida. Na avaliação dele, trata-se de um processo em que todas as partes perderam:
- Nós, rodoviários, perdemos. A população perdeu. A Justiça perdeu. Para mim, como sindicalista, aquela foi a pior negociação que já tivemos.
Por isso, diz Silva, o objetivo agora é fazer diferente, resolvendo o dissídio na mesa de negociações. Ele afasta a possibilidade de greve neste ano.
- No ano passado, já foi assim. Não teve baderna - ressalta.
Relembre a situação
- Porto Alegre viveu um verão caótico em 2014. Em 27 de janeiro, motoristas e cobradores começaram uma greve que paralisou a cidade. Foram 15 dias sem ônibus, prejudicando 1 milhão de pessoas. A situação foi tão grave que a prefeitura teve de autorizar vans escolares a fazer o transporte de passageiros. Todas as atividades da cidade foram afetadas. Grevistas bloquearam as garagens para impedir a saída dos coletivos. Dezenas de veículos foram depredados na cidade.
- No segundo dia de greve, o Tribunal Regional do Trabalho, que considerou a greve ilegal, determinou que os trabalhadores deveriam colocar 70% da frota na rua nos momentos de pico e 30% nos demais horários. Uma multa de R$ 50 mil por dia foi fixada em caso de descumprimento. A decisão foi ignorada pelos grevistas. Dias depois, a multa foi elevada para R$ 100 mil por dia.
- Quando os rodoviários voltaram ao trabalho, as multas alcançavam a cifra de R$ 1,25 milhão.
- Em meio à greve, o desembargador do TRT Cláudio Antônio Cassou afirmou a ZH que o tribunal, até para evitar que o desrespeito vire norma, costumava confirmar as penas aplicadas em caráter liminar: "Dificilmente ele (o tribunal) vai aceitar depois que essa multa não seja paga. É educativo. Da próxima vez, os rodoviários vão pensar melhor", disse.
- Em junho, quando o processo foi julgado na seção de dissídios coletivos do TRT, a paralisação foi considerada abusiva. Mas os magistrados decidiriam reduzir a multa para R$ 300 mil, valor que consideraram educativo.
*Zero Hora