*Professora do Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos. Pesquisadora-Visitante na University of Surrey, Reino Unido (CAPES) e pesquisadora em Cultura Digital do CNPq
No último dia 10 de dezembro, comemorou-se o bicentenário de nascimento de uma das mulheres mais importantes na história da ciência: a condessa Ada Lovelace (1815 - 1852). Nascida Augusta Ada Byron, e posteriormente Ada King, ao casar com William King, primeiro Conde de Lovelace, Ada era filha da matemática Annabella Byron e do poeta romântico George Gordon Byron, o Lorde Byron. Além de poeta, Byron era conhecido por ser uma celebridade do período vitoriano, não tão diferente assim das celebridades do mundo atual. A imprensa cobria seus escândalos tanto quanto sua obra. Após a separação dos pais de Ada - quando ela tinha quase um ano de idade - considerada escandalosa para os padrões da moral vitoriana, Byron jamais retornou à Inglaterra ou reviu a filha. Nesse contexto, Lady Byron, ela mesma uma mulher de interesses sociais, filantrópicos e com profundos conhecimentos em matemática, encaminhou a educação da filha para as ciências exatas, que ganhavam destaque com a Revolução Industrial em curso. Seu medo era de que a poesia aliada à genética - "o sangue" byroniano - desviasse Ada dos bons princípios da sociedade. O círculo de amigos e tutores de Ada incluiu intelectuais e cientistas proeminentes da época como Mary Sommerville (reconhecida como a segunda mulher cientista no Reino Unido) e o economista e matemático Charles Babbage. A partir do trabalho de Babbage nas máquinas mecânicas de cálculo, chamadas máquina diferencial e máquina analítica, antecessores vitorianos dos computadores, Ada publicou o artigo Sketch of the Analytical Engine Invented by Charles Babbage em 1843 - considerado por muitos como o primeiro programa de computador (software), incluindo notas e códigos de programação para o seu possível funcionamento, quase cem anos antes da existência desse conceito e sem que a máquina tivesse sido construída.
Passados 200 anos, seu legado e presença, tanto para a ciência da computação quanto para a cultura digital e para a cultura popular, são cada vez mais fortes. Nos anos 1990, os autores de ficção-científica William Gibson e Bruce Sterling resgataram a potência especulativa da ciência vitoriana no livro A Máquina Diferencial, estabelecendo alguns parâmetros da estética "steampunk". Atividades como o Dia de Ada Lovelace, que promove a visibilidade das mulheres na informática, a criação de um projeto de Lego de Ada e Babbage, Ada como nome de software, como personagem de videogames e quadrinhos e os inúmeros perfis e projetos online nos dão um pouco a dimensão de sua figura e importância atual.
Para comemorar o bicentenário, a Universidade de Oxford organizou um simpósio com especialistas das mais diversas áreas: matemáticos, cientistas da computação, filósofos, estudiosos da literatura, historiadores da ciência, hackers, artistas, entre outros, para discutir a importância das contribuições e postulados de Ada que encontram eco no pensamento computacional, na inteligência artificial, em redes e telecomunicação, cognição, entre outros campos que somente agora, em pleno século 21, estamos começando a vislumbrar.
Alan Turing, outro importante cientista e um dos pais da computação moderna, cita o trabalho de Ada e avança nas questões da Inteligência Artificial - ora refutando, ora considerando alguns de seus argumentos. A cultura digital deve muito a ambos e muito a Ada, como uma mulher que não se encaixava nos padrões da época, cujos poemas e cartas demonstravam uma preocupação com uma visão de mundo criativa. Há também controvérsias.Alguns autores afirmam que uma vez que o conceito de computador como o entendemos hoje não existia em sua época, não poderíamos nomeá-la como a primeira mulher programadora; outros desqualificam seu trabalho e dizem que ela era uma mera assistente de Babbage, fato que ele mesmo nega em seus escritos, indicando a importância do trabalho dela, a quem chamava de "encantadora de números".
Ada morreu aos 36 anos, lutando contra um câncer. Seus escritos reconciliam de alguma forma a poesia - tão temida por sua mãe - e a ciência dos algoritmos, colocam-na definitivamente no panteão das grandes mulheres cientistas e a transformam também em ícone pop e uma representação que nos ajuda a atrair mais mulheres para as ciências.
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