Dois meses atrás, eu tinha um lugar favorito no mundo. Eu estacionava ao lado da prefeitura de Point Arena, litoral norte da Califórnia, e seguia uma trilha que começava atrás da construção pré-fabricada, um mato seco, cor de ouro, em ambos os lados, que de certa forma falhava em antecipar o que viria logo em seguida. Porque era bonito demais o que vinha. Embasbacante demais. Em cinco ou 10 minutos de caminhada, passando por árvores mortas e casas improváveis penduradas nas montanhas ao longe, eu chegava na beira das falésias, o Pacífico centenas de metros abaixo, batendo e esculpindo as pedras com toda a paciência do mundo. A trilha sonora era um silêncio inacreditável. Eu, o único ser humano em quilômetros e quilômetros.
Essa paisagem era meu Deus, ou talvez um comprimido gigante de ansiolítico. Eu ficava lá sentada. Mas às vezes não podia evitar que os tempos, os lugares, as situações se misturassem todas. A gente sai para uma viagem e com frequência acreditamos na ideia de que vamos dar uma "pausa". Não existe pausa na vida. Essa foi uma das lições mais duras que aprendi este ano. Também aprendi que esse lugar desabitado talvez representasse um estado muito provisório da mente, que na maior parte do tempo precisa lidar não só consigo mesma, mas com uma rede de pessoas e afetos que por vezes se tornam inconciliáveis. O castelo de cartas às vezes desmorona.
Houve dias em que a mistura chegava ao ápice. Ali, no meio do nada, atendi telefonemas que vinham de bares onde tocavam covers do Led Zeppelin, na beira de outro oceano, o Atlântico. Falei com pessoas distantes outras tantas horas sentada em cima de mesas de piquenique, pensando em como atravessar um domingo, os domingos que ainda não sei muito bem atravessar agora aqui, em Porto Alegre. E houve outras vezes em que eu estava completamente absorvida pela imensidão da natureza. Encontrei um cervo. Com aquela galhada complexa apontando para o céu. A gente se encarou por segundos que duraram uma eternidade harmoniosa e bela. Eu não queria ter saído de dentro daqueles segundos. Eu tinha medo. Eu tinha medo de voltar, como as pessoas têm medo de atravessar a noite do 31 de dezembro. Eu ainda estou com medo. E nós todos ainda temos o 31 de dezembro para atravessar da forma menos dolorosa possível.
No último dia que visitei meu lugar favorito do mundo, tentei registrá-lo em fotos e vídeos, mas claro que o retrato mais fiel está na minha cabeça, e é preciso recorrer a ele, acreditar que ele permanece lá em toda sua imobilidade, para ganhar um pouco de calma aqui desse lado. Talvez seja sinal de leve desespero, mas frases de autoajuda compartilhadas no Facebook às vezes sintetizam verdades reconfortantes. Uma outro dia dizia: "Aceite a incerteza. Alguns dos melhores capítulos das nossas vidas só terão um título bem mais tarde."
Feliz aniversário, Cora. Feliz novos capítulos sendo escritos exatamente agora. Feliz 2016. Feliz incerteza para todos nós.
*Carol Bensimon escreve mensalmente no caderno PrOA.
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