June Cartier já havia sido vítima de assalto: certa vez, o ladrão a chamou de "chinelona" porque, ao abordá-la em busca de um celular, o que encontrou foi um aparelho de MP3. Na noite de quarta-feira, a estudante de 32 anos enfrentou mais um reflexo da insegurança - só que esse lhe tirou a vida.
Ela estaria voltando do trabalho a pé na companhia do namorado, que levava o cachorro de estimação, quando o casal foi abordado por dois homens. Um deles disparou contra June, que morreu no local. As circunstâncias levam a crer se tratar de uma tentativa de assalto, mas, à Polícia Civil, o companheiro relatou que a dupla não anunciou o roubo.
June trabalhava há três anos em uma empresa de serviços de tecnologia da informação (TI), instalada no Tecnopuc. Foi assassinada na Rua Felizardo Furtado, a três quilômetros dali, nas imediações do endereço onde dividia apartamento com o pai.
- Ela era a definição do praticante de "deboísmo". Não lembro vê-la de mau humor - disse a programadora Priscilla Kurtz, 33 anos, em referência ao neologismo que brotou na internet e sugere, como filosofia, o lema "viver de boa".
Priscilla conheceu June ainda nos tempos da escola, há mais de 15 anos. Estudantes do Colégio Estadual Florinda Tubino Sampaio, dançaram juntas em um grupo da Escola Superior de Educação Física (Esef) da UFRGS e, em viagens, costumavam compartilhar o quarto. Atualmente, June cursava Análise e Desenvolvimento de Sistema na Unisinos, no campus de Porto Alegre.
- Não dá para perder mais uma pessoa. Hoje, foi a June. Amanhã, pode ser qualquer um de nós - desabafou uma colega de trabalho que prefere não ter o nome divulgado.
A colega encontraria June nesta quinta-feira à noite, data da festa de fim de ano da empresa.
- Está todo mundo sem saber o que fazer - afirmou outra colega, que também não quis se identificar.
Amiga próxima da estudante, ela define June como uma pessoa "extremamente inteligente e batalhadora".
- Ela tinha um coração tão enorme, que é impossível não criar um vínculo. A June me ajudou durante toda a minha gravidez, me levava ao médico quando eu passava mal. Esse era o jeito dela: ajudava todo mundo - contou.
Filha única, June havia perdido a mãe em janeiro. O pai sofre de problemas de saúde e necessita de cuidados (que June nunca se negava a dar, relataram amigos). Ligada à política, havia travado, horas antes do crime, um debate pelo Facebook com o amigo Guido de Camargo Potier Filho, 30 anos, sobre a prisão do senador Delcídio Amaral.
- É surreal porque eu estava conversando com ela e, de repente, acontece isso. Talvez a gente já esteja tão anestesiado que acaba não dando o valor que merece. Quando é com alguém que a gente conhece, se percebe que está mais perto do que pensamos - lamentou.
* Zero Hora