Na sua época, Henry Ford era o homem mais rico do mundo. Self-made man, criou o Modelo T, conhecido no Brasil como Ford Bigode, que vendeu mais de 15 milhões de unidades entre 1908 e 1927. Em 1913, Ford introduziu a linha de montagem em suas fábricas, o que diminuiu o tempo de produção e baixou muito o preço de seus carros, tornado-o o "Rei dos Automóveis Baratos". Em 1918, mais da metade dos carros norte-americanos era Modelo T.
Em 1914, Ford decidiu remunerar seus operários com 5 dólares por dia, o equivalente hoje a 120 dólares. Quando outros empresários lhe perguntaram por que pagava mais que o dobro do salário da época, respondeu: "Quero que meus operários possam comprar meus carros", num claro entendimento de que havia um mercado interno a ser conquistado. Apesar de pagar acima do mercado, ele não permitia que seus operários se sindicalizassem e tinha capangas para lidar com qualquer líder sindical em suas fábricas.
Ford era um homem obstinado. Todos os Modelos T eram pretos. Quando seus assessores sugeriram que deveria fabricar carros de outras cores, sua resposta foi: "Qualquer cliente pode ter seu carro pintado da cor que quiser, desde que ela seja preta".
Como Ford começou a produzir automóveis em grande escala, necessitava de um grande volume de borracha para os pneus. Até o começo do século 20, o Brasil produzia 90% da borracha comercializada no mundo. Mas, naquela época, os ingleses contrabandearam sementes da Hevea brasiliensis, a seringueira da Amazônia, para a Malásia, encerrando o monopólio brasileiro. Com o mercado mundial da borracha controlado pelos britânicos, os preços dessa matéria-prima começaram a subir. Foi então que Ford decidiu se aventurar na produção de látex no Brasil.
O historiador norte-americano Greg Grandin escreveu Fordlândia: Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva (Rocco, 2009), um livro fascinante sobre a confusão em que este se meteu na Amazônia. Em 1927, ele recebeu a concessão de uma área de 2,5 milhões de acres no Pará e fundou a Fordlândia, próxima do rio Tapajós. Foi um projeto utópico de recriar em plena selva amazônica uma cidade norte-americana voltada à produção da borracha e não conspurcada pelo capitalismo, que ele mesmo ajudara a criar nos Estados Unidos.
A produção da borracha brasileira era, até então, baseada no extrativismo direto da floresta. Ela demandava pouca mão-de-obra, não envolvia competição e não era baseada em relações capitalistas de produção. A figura central era o seringueiro que dava um talho na árvore, deixava o látex escorrer num balde e percorria quilômetros até encontrar outra seringueira.
Para Ford, esse sistema era primitivo e tinha que ser substituído pela produção de borracha, como ele fabricava carros em linha de montagem. Sua ideia era aplicar os métodos que havia criado em Detroit na produção de carros como forma de domar a natureza selvagem da Amazônia. "Não estamos indo ao Brasil para fazer dinheiro, mas para ajudar a desenvolver aquela terra maravilhosa e fértil. Vamos treinar os brasileiros e eles serão ótimos profissionais, como os nossos" disse ele.
Como autodidata, Ford era adepto do método learning by doing, isto é, apreender fazendo. Portanto, não consultou sequer agrônomos norte-americanos. Criando um sistema parecido com a linha de montagem, desflorestou milhares de acres para plantar um milhão de pés de seringueiras com pouca distância entre si. Isso contrariava os princípios básicos de ecologia. As seringueiras estão longe uma da outra para evitar que pragas que assolam essas árvores passem de uma para outra. A consequência foi o aumento da praga da ferrugem e dos lagartos que migravam de uma seringueira para outra através dos galhos que se tocavam.
Usando equipamentos avançados e uma grande divisão do trabalho, Ford queria introduzir relações capitalistas na produção da borracha, como horários, uniformes, cartão de ponto, sirenes, fiscais. Além disso, ele exigia que os trabalhadores comessem nas instalações da companhia e pagassem pelas refeições. Em vez do tradicional feijão com farinha e da carne seca, essas incluíam aveia no café da manhã e espinafre no almoço. Para piorar as coisas, as refeições passaram a ser servidas em bandejões. Sentindo-se tratados como cachorros, os trabalhadores quebraram o refeitório da Fordlândia, fazendo com que os técnicos norte-americanos tivessem que se refugiar num barco até a chegada da polícia.
Do ponto de vista econômico, o empreendimento foi um desastre. Apesar dos conselhos de especialistas de abandonar o projeto, Ford continuava investindo milhões de dólares nele sem alcançar seu objetivo principal, a produção da borracha. Em 1945, quando Ford estava mais velho e já não dirigia sua empresa, a Ford Company devolveu a concessão de terra ao governo brasileiro e foi indenizada pelas benfeitorias realizadas.
Ao contrário do que se dizia em épocas passadas, o que é bom para os Estados Unidos não necessariamente é bom para o Brasil.
* Ruben George Oliven escreve mensalmente no Caderno PrOA.
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