Lauren Lannis não teria o mesmo gosto por quadrinhos japonses, os mangás, não fosse a paciência e o carinho dedicados pelo professor Antônio Ramos, 64 anos. Foi ele quem ajudou a jovem a superar as dificuldades com a leitura do braile e a se tornar uma leitora voraz. Lauren sente tanta falta dele no Instituto Santa Luzia que, seguido, grava mensagens em áudio e pede para a mãe enviar via WhatsApp ao professor.
Assim como Lauren, outros estudantes órfãos da voz afável de Ramos ligam para saber quando ele vai voltar. O telefone na sua casa, aliás, não para de tocar. Afastado há dois anos, desde que precisou tratar um câncer, o docente é também egresso da instituição, fundada em 1941. Há quase meio século, dedica-se à instrução de cegos e à formação de novos professores. Ao capacitá-los, ajuda a amenizar diferenças e criar uma "visão de futuro".
Técnico de máquina de escrever resiste há 44 anos no centro de Porto Alegre
- Meu trabalho como professor representa tudo. Eu sempre acredito na vida, e a vida depende do que acontece lá na frente. Como professor, preparo o pessoal para a formação deles e a minha realização - filosofa.
Não são apenas os jovens e crianças que se inspiram neles. Para professoras como Clorisdes Lessa e Susi Maria da Silva, a perseverança e humildade de Ramos são um patrimônio intangível pela qual a instituição vai sempre zelar. Não é por menos: ele acompanhou a história do instituto desde quando era exclusiva para DVs (deficientes visuais) até a abertura para alunos do ensino fundamental e médio.
- Ele sempre passa para cada pessoa que tem oportunidade de conhecê-lo uma esperança - diz Susi.
- Com ele aprendi a ser mais humana, mais sensível - acrescenta Clorides.
Após seis sessões de quimioterapia e 30 de radioterapia, ele descansa em casa, satisfeito com o resultado do tratamento, quase chegando ao fim. Já passou por fases piores, esteve magro e debilitado, agora passa bem. Sabe que a palavra cura é delicada, mas considera que seu otimismo e tranquilidade ajudaram a nocautear a doença. Com a ajuda da cuidadora Maria Luisa Cunha Fonseca, ganhou peso e mantém a vontade de viver. Os dois conversam, tomam chimarrão, organizam a casa. Ela elogia a comida dele:
- Tem que ver o feijão, é uma delícia. Também faz café, chimarrão, bife frito. Fica tudo uma delícia - elogia a são-borgense, que, durante a semana, presta cuidados ao amigo.
Ramos é grato e aprecia a companhia de Luisa, mas sente falta da liberdade de antes. Ele, que sempre foi independete para fazer tudo, não gosta de incomodar. Está contando as horas para sair às ruas, comprar pão no mercado, fazer uma fezinha na lotérica. E, "se Deus permitir", retomará as aulas, ainda que de forma voluntária, no Santa Luzia.
- Se ele voltar, pode ter certeza, vou abraçar ele muito - diz Lauren, com os olhos marejados e a euforia de quem aprendeu, pelos livros e ensinamentos do professor, a enxergar um sentido para a vida.