Com a redução do nível do Guaíba, moradores da Ilha Grande dos Marinheiros ensaiam uma tímida retomada da rotina. Ao recuar mais de 70 centímetros desde o dia 17 - quando atingiu 2m94cm, a maior marca em 74 anos - a água que banha a Capital vai permitindo que, pouco a pouco, as famílias que habitam a ilha retornem para suas respectivas casas. Se o tempo ajudar e a chuva não voltar a atingir a comunidade, os próximos dias serão de muito trabalho para a limpeza daquilo que sobrou dentro dos lares. Edir e Teresa observam o Guaíba do quintal Foto: Carlos Macedo / Agência RBS
O lodo e o cheiro de lixo são os rastros mais evidentes deixados pela água que invadiu a ilha. Nas casas à beira do Guaíba, as ondulações ainda assustam, mas a sensação dos moradores é de que é preciso voltar, retomar a rotina alterada há mais de duas semanas.
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Na Rua Nossa Senhora Aparecida, o jato de água ajuda a limpar o chão da casa de Geni Machado da Rosa, que voltou ao imóvel nesta segunda-feira. Na sala, os dois sofás seguem sendo sustentados por latas de óleo de soja e cadeiras, improviso para salvar móveis e eletrodomésticos. Mas pouca coisa resistiu.
- A gente tem medo de deixar a casa abandonada, mas não tinha o que fazer. Só hoje, depois de mais de uma semana, que estamos conseguindo voltar - relata Geni, auxiliar de serviços gerais, que enfrenta sozinha a tarefa da limpeza. O marido havia saído para buscar as doações que chegam a Ilha dos Marinheiros e são distribuídas em um galpão transformado em centro de triagem na entrada da comunidade.
O serviço não é fácil. Ainda mais quando se enfrenta uma água poluída. A preocupação com possíveis doenças é tão grande quanto a vontade de deixar a casa limpa, como era antes da enchente. Por isso, Geni usa luvas e botas e faz o possível para não ter contato com a água suja.
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- Eu sei dos riscos que eu corro. Todo mundo aqui sabe. A gente vai enfrentando dia a dia, matando um leão por dia - conta, chorando. - Prometi que não ia mais chorar, moço Mas é que eu tenho hepatite C. É muito difícil pra mim uma situação dessas - completa, enxugando as lágrimas com um pedaço de papel higiênico.
Ao fundo da rua, em uma parte de relevo mais baixo, o Guaíba segue batendo na porta das casas e muitas ruas permanecem inundadas. Voltando da casa da filha, onde ficaram por duas semanas, os aposentados Edir e Teresa Gomes olham com semblante reflexivo para o lago que os tirou de casa.
- É a força da natureza, jovem. Dessa vez, foi feia a coisa - afirma Edir ao lado da esposa, nos fundos da residência, o pátio que virou parte do Guaíba.
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A volta ao lar, no entanto, não coloca um ponto final nas dificuldades do casal, que faz um apelo:
- Vê se tu nos ajuda, filho. A gente precisa de alimento, de roupas. Perdemos muita coisa. Diz para eles trazerem aqui para nós - pede Teresa.
Rua adentro, Ana Cláudia Oliveira conta que não saiu de casa com medo de saques. Ficou com os filhos e com o marido para cuidar dos pertences pessoais. Agora, a água, que antes batia na cintura, já baixou um pouco.
- E olha que a gente já construiu a casa mais alta para tentar evitar isso. Só que dessa vez não deu. A água invadiu mesmo. Devagarinho a gente vai limpando e recomeçando - relata.
#EuAjudo - COMO DOAR- São necessários alimentos, garrafas de água, produtos de higiene (xampu, desodorante, escova de dente, absorventes e fraldas geriátricas), produtos de limpeza (sabão em pó, esponjas e panos), lonas e velas.
- Esses materiais podem ser entregues no Ginásio Tesourinha (Avenida Erico Verissimo, s/nº), das 8h às 22h, ou no Gabinete de Defesa Civil (Rua Dr. Campos Velho, 426 ), das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira.
- Doações para a reconstrução das casas (móveis, telhas, lonas e madeira) devem ser entregues na sede do Demhab (Av. Princesa Isabel, 1115), das 8h às 20h, de segunda-feira a sábado (no sábado, a entrega deve ser feita pela entrada lateral, na guarita da Rua Conde D'Eu), ou no Shopping Praia de Belas (Avenida Praia de Belas, 1181, Porto Alegre), que está recebendo doações em um espaço no lado sul do andar térreo.
*Zero Hora