Ainda estou me recuperando da viagem para a China, onde realizamos um congresso que planejamos há anos com nossos colegas chineses. Todo o processo de comunicação com eles sempre foi complicado - diferença de 12 horas, maneira de se expressar muito diferente, distinta noção de hierarquia. Sotaque difícil - em inglês, que era a primeira língua de apenas alguns integrantes do grupo. A primeira das - e uma das melhores - histórias do congresso foi eu chegar ao hotel cansada, de noite, e pedir ao serviço de quarto uma sopinha de galinha, e receber em cinco minutos a visita de duas massagistas. Todas nos entreolhamos atônitas. Sopa? Massagem nos pés? Provavelmente jamais saberemos onde se perdeu a tradução, mas rapidamente todos os ocidentais do congresso perguntavam-se, bem-humorados, se para jantar precisávamos pedir uma ou duas massagistas. Enfim.
Reunidos na China, pesquisadores oriundos do Brasil, Finlândia, Itália, Estados Unidos, Canadá, Holanda, Japão, Alemanha, Inglaterra, Hong Kong, Rússia, Austrália, todos trabalhando em um mesmo tópico. Culturas diferentes, estranhamentos ou aceitações de costumes, comidas e bebidas intrigantes, diferenças sutis de expressões ou humor, tudo dissolvia-se magicamente quando começavam as sessões de trabalho e focávamos nas mesmas rotas e fenômenos biológicos que analisamos, cada um em seu laboratório, em um canto diferente do mundo. A ciência tem uma linguagem que unifica. Podemos ter hipóteses diferentes sobre um mesmo fenômeno, mas com raras exceções todos vamos concordar nas melhores maneiras de testá-las. Se os resultados não forem reprodutíveis, imediatamente passamos para a fase seguinte, novo experimento, nova hipótese. Cientistas são humanos, e portanto a tentação de se autoenganar é grande. Mas a rotina - muitas vezes extenuante - de apresentação e debate de ideias e resultados invariavelmente leva todos a um caminho comum. Se um fenômeno se reproduz aqui, na China e em Amsterdã, provavelmente é verdade. E a incorporação da descoberta na rotina de todos é apenas uma questão de tempo.
Não canso de ficar maravilhada com essa capacidade da ciência de eliminar mal-entendidos e promover a unidade, mesmo fincada em debates constantes. Fora do âmbito científico, participo de discussões e reuniões em que ninguém parece ouvir o que está sendo dito. Como se uma pessoa dissesse: "Puxa, como sinto falta de sopa!" para um interlocutor que responde que a massagem nos pés inventada pelos chineses é a melhor coisa que existe.
Nestes tempos de turbulência política e econômica, de ânimos compreensivelmente exaltados, vejo tantas pessoas querendo dizer a mesma coisa, mas discordando violentamente nas respectivas colocações. Apesar de teoricamente falarem na mesma língua, grupos com os mesmos interesses atacam-se agressivamente, aprofundando as diferenças ao invés de buscarem a força do que têm em comum.
Para entender o que dizem meus colegas japoneses ou australianos, ou de alguma outra parte do planeta, preciso me concentrar, filtrar o sotaque, ler rápida mas atentamente os diagramas que apresentam, focar no que já conheço do que eles apresentam, mas abrir a mente para as novas ideias que propõem. Ouvir o debate. Pensar. Talvez concordemos imediatamente, talvez não. Mas depois da sessão saímos todos revigorados, apesar de exaustos, pensando animados nas possibilidades que o futuro pode trazer, ensaiando colaborações. Alguns de nós vamos estar certos, e outros não. Mas seguimos para partilhar uma refeição, e concordar que sim, talvez fosse bom também pedir uma massagem no pé.
*Cristina Bonorino escreve mensalmente no Caderno PrOA.
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