A chuva que encheu o Guaíba nesta semana também trouxe à tona uma nova discussão sobre a utilidade da principal barreira entre a água turva e o centro de Porto Alegre: o Muro da Mauá.
O obstáculo de concreto separa a cidade de suas margens e divide moradores e especialistas quanto à real necessidade de manter o paredão. Enquanto seus defensores argumentam que a chuvarada confirmou a importância do obstáculo, seus detratores perguntam quanto tempo levará até a proteção ser testada de fato.
Erguido nos anos 1970 para isolar a cidade do trauma da enchente de 1941, o muro com três metros de altura acima do solo e outros três enterrados no chão é apenas um item de um amplo projeto de contenção. Seus 2,6 mil metros de extensão fazem parte do Sistema de Proteção Contra Cheias, que inclui 68 quilômetros de diques, comportas e casas de bombas. Vias elevadas como as avenidas Beira-Rio e da Legalidade fazem parte dessa linha de defesa.
O Guaíba ficou a 11 centímetros de invadir o cais, na segunda-feira, mas ondulações lançaram uma fina lâmina de água para perto do muro. Para o diretor-geral do Departamento de Esgotos Pluviais, Tarso Boelter, o susto foi suficiente para confirmar o propósito do sistema como um todo.
- Em 1967, o nível da cheia foi mais baixo, mas a cidade alagou justamente porque não tínhamos esse sistema. Agora, ficamos protegidos - afirma Boelter.
O muro em si, porém, segue sem ser testado de fato desde sua construção. O Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do Cais Mauá apontou, por exemplo, que o paredão poderia não ser capaz de conter um eventual avanço do Guaíba em razão de problemas como falhas na vedação das comportas, oxidação em peças, além de corrosão e fissuras no concreto. Boelter admite os problemas, mas argumenta que por essa razão o projeto de revitalização do cais prevê serviços de recuperação e manutenção. Para contornar os problemas de vedação, agora seriam utilizados sacos com areia diante de cada uma das comportas.
Para o arquiteto, urbanista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Benamy Turkienicz, o muro até pode ser útil. Mas a grande questão, segundo ele, é com que frequência.
- Se olhar só o aspecto hidrológico, é importante. Mas as perguntas que a cidade deve responder são: quanto tempo leva para termos outra enchente como a de 1941, e esse tempo compensa a manutenção do muro?
Segundo estimativas da prefeitura, a grande cheia de sete décadas atrás teria risco de se repetir uma vez a cada 370 anos. Para Turkienicz, esse tipo de análise coloca em xeque o paredão da Mauá:
- Na minha cidade ideal, esse muro não existiria.
Engenheiro civil com doutorado em recursos hídricos, Carlos Tucci defende a obra e lembra que a enchente de 41 durou um mês e meio.
- Nunca houve dúvida técnica sobre a importância do muro. Em bacias muito grandes, como essa em que está o Guaíba, inundações são raras. Mas quando ocorrem, demoram muito a baixar - alerta Tucci.
Morador da Mauá, o fotógrafo Marcelo Nunes, 48 anos, sempre foi favorável à derrubada do obstáculo. Na segunda-feira, ao testemunhar e fotografar uma fina camada de água perto dele, passou a ter dúvidas:
- Sempre imaginei como seria ir ao cais sem nenhuma barreira. Mas, agora que vi a água chegando perto da avenida, estou revendo a minha opinião.
Veja imagens da enchente: