Ganhei uma pena de uma criança desconhecida no meio da estrada. Ela usava uma camiseta dos Giants. Sentei pra ver o pôr do sol mais de seis vezes e percebi que o sol e o Pacífico não exatamente se encostam, mantendo a distância regulamentar que os americanos costumam manter. Aluguei o carro de um amigo que está tentando a vida em Los Angeles e mora em um desses predinhos com uma piscina cercada no meio. O carro é grande e dourado. Um cara me disse, irônico: "você e esse carro combinam muito bem". Sento para escrever no lado de fora da casa de uma mulher que fez 57 anos no dia 23 de setembro. Dei um dos meus livros favoritos para ela, Middlesex. Já vi veados ali e um grupo de 12 perus selvagens. Quando os pássaros passam sobre minha cabeça, ouço suas asas batendo.
Pensei em tatuar uma dessas redwoods no braço. Saio com a mulher de 57 anos atrás do eclipse lunar. Paramos em uma praia, começa a escurecer, meus pés estão gelados. Há essa névoa do fim do dia, típica da costa norte da Califórnia. No caminho de volta, tento explicar o Brasil. Falo sobre empregadas, universidade pública, cotas e aquela teoria de que, em países em que as pessoas precisam limpar sua própria privada, não há risco em abrir um notebook no ônibus. Às vezes aparece uma coruja. A mulher de 57 anos, minha amiga agora, tenta identificar o tipo de coruja. Acabei de ler um romance que termina com a seguinte frase: "Nenhum jovem sabe o nome de nada."
Tenho uma receita médica para comprar maconha legalmente. Eu e o doutor conversamos sobre literatura. Ele estava lendo um livro chamado O Homem que Amava a China. Tive medo de não ganhar a receita caso ele soubesse que estou escrevendo um romance sobre cultivo de maconha. Ele ficava me perguntando qual era o lugar mais seguro para transportar maconha no carro. Resposta certa: no porta-malas.
Moro em uma cidade de 168 habitantes. Vou me mudar para uma de 449 habitantes. Nunca vi tanta gente de cabelo branco. Gente que deixou o cabelo branco. Muitos deles vieram para cá nos anos setenta. Viviam em comunidades. Back-to-the-land. Ficaram. Estão comendo panquecas do meu lado em um evento comunitário. Estão vendendo couve orgânica e brotos na feira de domingo. Estão preocupados com a seca. Já ouvi música brasileira em três lugares diferentes na cidade de Mendocino. Há alguns dias, um ônibus escolar convertido em casa está estacionado na rua principal. Os caras ficam sentados na grama tocando violão. Uma nova geração. Minha amiga os chamaria de redneck hippies. Fico me perguntando se eles vieram para a colheita da maconha. As pessoas estão com os dedos melecados de resina agora. O dispensário de Mendocino tem um tipo exclusivo chamado Ingrid. Uma francesa chamada Sophie faz haxixe para eles. Talvez eu encontre ela semana que vem.
Penso nas favelas e é de cortar o coração. Tento explicar de novo o Brasil para a enésima pessoa. Coloco Elis Regina para tocar e lamento que a pessoa não possa entender a letra de Como Nossos Pais. Talvez meus pais não entendam esse texto. Vou na feira do condado, a Expointer local, e vejo um monte de famílias mexicanas. Eles trabalham nas vinícolas e eu me pergunto onde moram, onde esconderam os mexicanos. Estão andando na roda-gigante. Às vezes eu choro de noite. Quando isso acontece, o Brasil está dormindo.
*Carol Bensimon escreve mensalmente no caderno PrOA.
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